Os desafios da família moderna

Florentino Beirão - 22/04/2016 - 12:20

Certamente, não há ninguém que não se tenha comovido com as recentes imagens da viagem do Papa Francisco à ilha de Lesbos – campo de Moria - na Grécia, para visitar os refugiados da guerra sanguenta e interminável do Médio Oriente.

De joelhos, desesperados, crianças e adultos suplicaram ao Papa uma ajuda para saírem daquele prolongado inferno, onde a esperança parece já ter morrido. Uma cena que nos fez lembrar as “alminhas “ do purgatório suplicando a misericórdia, para se libertarem das penas que as afligem. Dentro dos seus limites, a generosidade papal, ainda conseguiu libertar três famílias de refugiados sírios, num total de 12 pessoas, tiradas à sorte, que irão viver com ele, na cidade do Vaticano.

A mensagem do Papa Francisco, dirigida aos refugiados e a todos os responsáveis políticos, foi bem clara e incisiva: “vim estar convosco e ouvir as vossas histórias. Vim exigir ao mundo que preste a esta grave crise humanitária e implorar que seja resolvida”.

Mas se o Papa nos surpreendeu com mais esta visita, de igual modo já nos havia oferecido um importante documento sobre a Família moderna, plena de complexas tensões e virtualidades. Trata-se de uma Exortação Apostólica “Amoris Laetitia” – A Alegria do Amor – de 19 de Março passado, na peugada do Sínodo dos Bispos, realizado no passado ano no Vaticano.

Este documento começa por apresentar a realidade e os desafios que hoje se colocam à família moderna. Na sua análise, refere que nos encontramos numa viragem civilizacional repleta de profundas mudanças antropológicas e culturais, dentro da qual a família de hoje é chamada a viver na sua complexidade, com problemas e oportunidades novas.

No que se refere às dificuldades, o documento papal esclarece que o homem moderno tem tendência a cultivar um acentuado individualismo que poderá “desvirtuar os laços familiares”, tornando cada um dos seus elementos, uma ilha fechada ao diálogo. Estas atitudes podem gerar “a impaciência e a agressividade” vivendo cada um para seu lado, não querendo ser importunado pelo outro.

Acresce ainda a que o Papa chama de “cultura do provisório”, revelado na facilidade com que se saltita de relação em relação, tornando tudo descartável, numa atitude narcisista da vida.

O documento refere ainda a existência de uma cultura moderna que impele os jovens a não constituírem família porque se encontram privados de normais possibilidades para assumirem projetos futuros, permanecendo eternamente na casa dos pais. Entre estas dificuldades exógenas, encontram-se ainda os problemas laborais, económicos, de estabilidade do emprego, de continuidade dos estudos, da progressão nas carreiras profissionais e da falta da capacidade económica, para se ter uma habitação própria e digna.

Todo este clima adverso, adverte o Papa, pode ser ainda potenciado pelo atual ritmo de vida, eivado do stresse diário do trabalho - muitas vezes precário - e da sua organização, com longas jornadas de trabalho e com horários sem horário.

A Exortação Apostólica debruça-se ainda sobre o problema dos divorciados e dos seus filhos, a viverem, fruto desta decisão dos pais, momentos de alguma dificuldade psicológica e alguma insegurança. Não falando já dos divórcios conflituosos em que se potencia toda uma ambiência desfavorável ou até agressiva para com os filhos, divididos entre as partes.

Todos estes fatores têm contribuído nos últimos tempos, a consequências que se têm manifestado, no número de casamentos, a diminuírem na última década em Portugal, na demografia em queda acentuada, no aumento exponencial dos divórcios.

Por último, este documento papal, chama ainda a atenção para o problema das famílias emigradas e refugiadas bem como para as consequências que daqui resultam para todo o agregado familiar. Não se esquece ainda de chamar a atenção para as famílias que têm no seu seio algum dos seus elementos deficientes, idosos, toxicodependentes ou alcoólicos, os quais não podem ser olhados apenas como um peso, mas uma oportunidade de crescimento familiar, embora repleto das normais dificuldades que daqui resultem.

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