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Pais em tempos de crises: Morrer medicamente assistido

Mário Freire - 30/05/2018 - 10:14

Escrevo esta crónica a quatro dias da votação da chamada “despenalização da morte medicamente assistida”. Releio, entretanto, uma conferência que o Prof. Barahona Fernandes proferiu na Faculdade de Direito de Lisboa, em Abril de 1930, sobre a eutanásia. Recorde-se que este Professor foi um ilustre médico psiquiatra, professor e reitor da Universidade de Lisboa e que se distinguiu como um dos pioneiros da psiquiatria moderna em Portugal. 
Independentemente do argumento de natureza política de que este tema não deveria ser votado pela razão de o mesmo não ter sido apresentado aos eleitores nos programas eleitorais, há razões de outra natureza, bem mais importantes, que deveriam impedir tal votação. Há cerca de 90 anos, julgo, ainda não ouvia falar-se de cuidados paliativos, embora já houvesse terapêuticas que aliviassem a dor e outros sintomas geradores de sofrimento. Ora, Barahona Fernandes, nessa conferência, condena veementemente esse “dar a morte doce e suavemente, sem torturas do corpo ou da alma, transpondo de mansinho os umbrais que levam para além da vida.” E porquê? Porque a morte, como ele diz, é “a maior interrogação que jamais o espírito humano levantou, o campo onde a curiosidade mais se aguça e onde a inteligência esbarra contra os mistérios de um desconhecido. Incógnita inatingível pelo nosso pensamento…” Por isso, mais adiante, ele pergunta: “como é que se pretende causar uma morte, se não se sabe ao certo o que seja? Como se pode causar uma acção, desconhecendo o seu alcance?” 
Os cuidados paliativos, defendendo a vida, consideram a morte um processo natural. Eles, integrando componentes médicas, psicológicas e espirituais, tentam que o doente tenha uma qualidade de vida satisfatória e o mais activa que for possível, de tal modo que possa lidar adequadamente com as situações com que se confronta. Ora, Barahona Fernandes já nessa altura dizia: “a assistência laica e espiritualmente desinteressada em Portugal, tantas vezes deixa falecer os doentes num cruel abandono moral, sem o consolo singelo duma palavra bondosa, longe da família e de todo o carinho.” Será que, ainda hoje, tal não acontece nos nossos hospitais? E, já no final da sua conferência, refere que “o médico não pode deixar de ser sempre o defensor da vida humana (…) e nunca esqueçamos que, ante a insinuação de um assassínio piedoso, em nenhuma circunstância e sob nenhuma pressão, devem os médicos ‘dar drogas venenosas a alguém, nem jamais sugerir tal conselho’, como nas suas imortais verdades reza o juramento de Hipócrates”. Eis reflexões que os deputados, antes de votar, deveriam colocar, mas que as famílias e cada um de nós, mais tarde ou mais cedo, irão viver. 

freiremr98@gmail.com

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