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Pais em tempos de crises: Desabafos a propósito de uma Lei

Mário Freire - 12/10/2017 - 9:52

As famílias de hoje tomaram novas configurações. Para além das famílias tradicionais, há-as monoparentais, unipessoais, recompostas, homossexuais… A contracepção permitiu a sexualidade sem procriação; agora, a procriação é possível sem sexualidade. Apareceu a procriação medicamente assistida (PMA), a constituição de bancos de ovócitos e de esperma, enfim, a gestação de substituição. 
Ora, a gestação de substituição é definida, segundo a Lei nº 25/2016, de 22 de Agosto, por “qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade”. Na Lei não se fala de pai e mãe da criança mas, sim, de “beneficiários”(nº 3, 5, 7, 9… art.8, nº1, art.16…). Diz-se, ainda, no nº8, art.º 8 “no tocante à validade e eficácia do consentimento das partes, ao regime dos negócios jurídicos…”
Este tipo de linguagem referido a um dos actos maiores que a Natureza criou, em que entra o amor e a reprodução humana, é, no mínimo, chocante. A gravidez, aquele conjunto de transformações, complexas mas que nos deslumbram, por que vai passando aquele ser com dignidade humana, até se tornar uma criança, não pode, não deve ser feita por encomenda. 
A gravidez reveste-se de tal nobreza que, só o dizer-se, demais sob a forma de Lei, que pode ser suportada “por conta de outrem”, como se o que nela se passa fosse qualquer objecto transaccionável, e não a gestação de uma criança, toca os limites do intolerável. Não se contentando com tudo isto, o legislador declara que a mulher que engravida renunciará “aos poderes e deveres próprios da maternidade”. Enfim, essa mulher faz parte do negócio, em que as partes são ela própria e os beneficiários, e em que o produto a transaccionar é a gestação de uma criança.  
Estas considerações são apenas desabafos que uma Lei me suscitou. Mas ela pode acarretar, igualmente, problemas de vária ordem para as “partes”, segundo se diz em artigo no penúltimo número do jornal Expresso.
Será que a bebéfilia, isto é, o desejo exacerbado de ter um filho biológico, com todas as ressalvas que tal implica, justifica a manipulação da Natureza e a diminuição da dignidade quer da reprodução humana, quer da maternidade, quer do nascimento de uma criança quando, afinal, a adopção desta poderia ser a solução mais digna e natural? 
freiremr98@gmail.com

 

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