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Portugal na Primeira Grande Guerra 1914-1918. Um país pobre massacrado

Florentino Beirão - 10/05/2018 - 9:25


Ocorreu na madrugada húmida e fria, de intenso nevoeiro, dia nove de abril de 1918 e dia seguinte, a célebre batalha de La Lys em França, onde o Corpo Expedicionário Português (CEP) foi massacrado, resultando 398 mortos e 6.585 prisioneiros.
Decorrido um século, julgamos ser oportuno lançar um olhar a tão dramático acontecimento da nossa história. Nas nossas aldeias, ainda hoje se guardam fugidias recordações de antepassados que morreram ou regressaram doentes desta guerra, com os pulmões gazeados.
Recorde-se que a situação política e social de Portugal em 1917, ano da nossa entrada nesta guerra de trincheiras, ao lado dos ingleses, era de cortar à faca. Um caos perfeito. A fome, com a revolta da batata, a pobreza e as lutas partidárias fratricidas, a tuberculose, o tifo, o analfabetismo e a instabilidade política e religiosa, pintavam o país de cores muito negras.
Quando se colocou a hipótese de Portugal entrar nesta guerra, algumas forças políticas, mesmo republicanas, não concordaram com tal aventura bélica. Já chegava a defesa das nossas colónias em África, para consumir homens e bens, na luta contra os alemães. Só que, o Partido Democrático Republicano (PDR), com Afonso Costa no Governo, para apostar na defesa das nossas colónias, decidiu enviar para a frente da guerra 50 mil homens, para lutarem pelas nossas colónias ameaçadas. Coube aos nossos aliados ingleses o transporte dos nossos soldados nos seus barcos e a preparação militar para se integrarem no teatro da guerra. Com calçado e fardamento inadequados, para lutarem num clima severo, com neve e chuva constantes, em terreno alagadiço, com trincheiras pouco profundas e repletas de água, tudo se tornou complicado para os nossos militares. Não preparados para este tipo de guerra, sem armamento nem munições suficientes, as dificuldades iam-se multiplicando. Acrescia ainda a falta de higiene nas trincheiras e uma alimentação inglesa, intragável para os nossos militares. As consequências desta realidade foram desastrosas. Várias doenças surgiriam, nomeadamente a tuberculose e as pneumonias - resultado dos pés e roupas sempre húmidos - com as pulgas e os percevejos a fazerem alastrar as doenças no CEP que ia sendo dizimado aos poucos. Se acrescentamos a tudo isto, a falta de entendimento entre as chefias militares portuguesas e as inglesas e a indisciplina dos nossos soldados, por se sentirem desprezados pelos governos do seu país, por não cumprirem as suas promessas - apenas os oficiais vinham descansar a Portugal – criou-se um clima tão nefasto que tudo só podia correr mal.
Segundo os relatos, produzidos pelas chefias militares portuguesas e inglesas, relativamente ao que se terá passado na fatídica batalha de La Lys, as opiniões dividem-se.
Enquanto o relatório de Gomes da Costa nos oferece uma visão gloriosa, acerca do envolvimento dos portugueses, os relatos dos ingleses, por sua vez, referem pontos de vista contrários. Nomeadamente que os nossos militares desorganizados, não responderam ao ataque, optando por fugir ou entregando-se. Nesta linha se pronunciou o republicano João Chagas em 11.04.1918, quando confessou que “a mentalidade dos nossos oficiais, o seu nenhum espírito de sacrifício e o seu nenhum desejo de combater, as tendências germanófilas de muitos, coincidindo com a situação de Portugal e a reação sidonista contra a guerra, levam-me a previsões bem pessimistas. Tenho a impressão que o recuo dos portugueses foi desmedido” (F. Menezes 2018, p.235). Com o CEP no limite das suas forças, face ao feroz ataque das tropas alemãs, os nossos militares, desprevenidos, acabam por entrar em pânico, fugindo à frente das tropas inimigas que os massacraram com o fogo das suas armas modernas e mortíferas. Muitos acabariam por ficar prisioneiros na Alemanha, até regressarem a Portugal. 
Concluindo, podemos afirmar que se tratou de uma aventura errática da jovem República que pretendia afirmar-se internacionalmente. Só que as chefias políticas e militares se mostraram sempre muito insensíveis, face às dificuldades do exército português, com 55 mil homens, a viver todo o inverno nas trincheiras. Este acontecimento viria a ter consequências no derrube da República em 28 de maio de 1926, movimento chefiado por Gomes da Costa. Mesmo o fenómeno de Fátima em 1917, fortemente relacionado com esta guerra, poderia não se ter imposto com tanta força nos povo crente o qual, sabendo do nosso envolvimento neste mortífero conflito, rezava e cantava nas peregrinações: “ Com os males da guerra/o mundo sofria/Portugal ferido/sangrava e gemia”.
florentinobeirao@hotmail.com 

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