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Renascer das cinzas

Florentino Beirão - 25/08/2016 - 8:50

Como ainda muitos nos lembramos, os matos dos montes e vales iam sendo desbastados e serviam para serem consumidos nas lareiras para confecionarem ao alimentos e servirem de camas aos gados, produzindo o estrume para o cultivo.

Enquanto no maravilhoso Brasil decorriam as inesquecíveis olimpíadas - com Portugal a ostentar apenas uma medalha de bronze no judo, no peito de Telma Monteiro - o país ardia, em direto, aos olhos de todos nós. Desta feita, o braseiro deslocou-se mais para norte. Entre Aveiro e Viseu, na região do Porto e no verde Minho. Desta vez, nem a formosa Ilha da Madeira foi poupada à devastação de casas e terras e até de vidas humanas. Se medirmos o manto ardido, de mato e floresta, chegaremos aos 103.137 hectares. Três vezes mais do que a média registada no mesmo período nos últimos 10 anos. Segundo a GNR, 37% das causas devem-se a negligência das pessoas e 19% a mão criminosa.
Durante o período de maior intensidade dos fogos, não faltaram reflexões e opiniões dos bronzeados membros do governo, dos exaustos bombeiros, dos vigilantes autarcas e dos encartados especialistas no assunto. As televisões e jornais, como lhes compete, à falta de outras notícias, também não pouparam os seus esforços para cobrirem este drama. Ao vivo, vimos casas a arder, pessoas a fugires de suas habitações, labaredas a subirem pelos montes, devorando mato, árvores e pastagens para o gado. Sob uma canícula estival, com altíssimas temperaturas, a mão humana tornou-se impotente para afrontar o grande devorador, insaciável gigante. Os bombeiros exaustos, saltitando de fogo em fogo, não davam mãos a medir às densas colunas de fumo que se elevavam nas alturas. Apesar de tudo, as populações aflitas, através de simples mangueiras, lá foram conseguindo, em muitas situações, evitar o pior.
Como nos ensinam os peritos no assunto, o território português, ao longo dos tempos, foi um imenso bosque. Porém, o homem foi intervindo na natureza para sobreviver,e progressivamente, foi-se encarregando de o ir modificando. Para o bem e para o mal, esta foi a realidade. Como ainda muitos nos lembramos, os matos dos montes e vales iam sendo desbastados e serviam para serem consumidos nas lareiras para confecionarem ao alimentos e servirem de camas aos gados, produzindo o estrume para o cultivo.
Com a política de reflorestação de Salazar, registada no romance de Aquilino Ribeiro – Quando os Lobos Uivam – dá bem conta destes tempos polémicos, com a revolta de populações rurais, pela mudança na paisagem das aldeias, dependentes dos pastos.
Só que, inexoravelmente, o país foi-se tornando um barril de pólvora, numa zona mediterrânica, com verões ardentes e sem pinga de chuva. A esta situação perigosa, veio juntar-se a vasta mancha de eucaliptos, até em terras de cultivo, para alimentar as celuloses e as exportações. Uma mina de ouro para alguns.
Com o 25 de Abril, com algum fundamento, começaram a ouvir-se vozes contra a perigosa situação destas extensas monoculturas de espécies exóticas. Com a integração na CEE, nos finais dos anos oitenta, criou-se um departamento Estatal para tratar dos assuntos do Ambiente. Só que, em vez de se fazer uma reforma na estrutura ambiental do país, o que na realidade aconteceu, foi a destruição do que era positivo – presença no terreno, viveiros e guardas florestais - agravando-se assim os problemas da silvicultura.
Com os pinhais a conviverem com os eucaliptos, sem planos de reestruturação das matas particulares ou do Estado, com os campos abandonados por todo o país, estão criadas as condições para que todos os verões o drama dos fogos se repita.

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