Retratos: Água

JC - 21/04/2016 - 8:30

Jeremias, presidente da Brigada do Reumático, nunca viu tanta água como esta semana. Foi o tempo que não deu tréguas, com um início de semana em que choveu mais que em muitos dias de inverno, foi o cancelamento da barragem do Aflito, já suspensa há anos e que por agora viu o seu fim, e foi a molha que apanhou quando foi buscar o seu neto Gongas à escola dos mais pequenos.

-"Foi água, água e mais água", disse Jeremias, no café Beiral, enquanto tentava perceber os argumentos das diferentes forças partidárias sobre o cancelamento da construção da dita barragem. -"O Laranjal, que suspendeu a obra, agora acusa o Roseiral de ter prometido uma coisa e agora ter feito outra. O Roseiral, cujo governo a cancelou, diz que quem mentiu foi o Laranjal e o seu antigo ministro que escondeu informação às pessoas", acrescentou visivelmente desgastado com a situação.

-"A culpa morre solteira e não é de ninguém", ironizou Godofredo, enquanto provava a ginja caseira para curar a constipação que apanhou na romaria. -"Com tanta confusão o povo é quem mais sofre. Parece que estamos destinados ao fado da desgraçadinha. Há cinco anos colocaram-nos as portagens mais caras do velho continente na autoestrada do Burgo, suspenderam a ligação rápida a terras de Castella, impuseram austeridade. E os novos tempos continuam difíceis para as nossas gentes", disse o secretário geral da BR.

-"É bem verdade. Mas agora dizem que vão colocar o «gasoil» mais barato nos postos fronteiriços e nos condados junto a Castella", disse Evaristo.

-"Pois mas com a sorte que nos toca, havemos de ficar de fora desse mapa. Ainda nos dirão que somos litoral", retorquiu Jeremias, farto de tantas coboiadas.

-"Mas esses descontos, a acontecerem, são só para os camiões e para as empresas de transportes. O resto da malta fica de fora", esclareceu Godofredo.

-"É a vidinha", concluiu Jeremias, enquanto tentava esclarecer a si próprio a dúvida de comprar ou não um novo guarda-chuva, que com tanta água o que tinha não resistiu...