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Tempos de clima apocalíptico: O tempo da pós-verdade

Florentino Beirão - 19/01/2017 - 11:31

Escrevo estas linhas envolvido numa magna torrente noticiosa, relativa à já esperada morte do ex-chefe de Estado Mário Soares, aos 92 anos. Na sua identidade, dizia-se socialista, republicano e laico. Não acreditando na eternidade, sublinhava: “ o que fica de mim, é um rodapé nos livros de história”.
O país através dos seus governantes, face a este acontecimento, decretaram luto nacional, em homenagem a esta grande personalidade - um fanático amigo da Liberdade - que lutou, antes e após a ditadura, para fazer do nosso país uma democracia europeia.
Polémico, como todos os políticos, a História de Portugal, com a devida distância, irá colocar no lugar certo a sua figura de estadista e de homem comprometido com os seus ideais.
Na espuma do tempo, só tem vindo ao cimo da onda os seus grandes feitos, cantados e louvados até à exaustão, pelos seus numerosos amigos e correligionários, incluindo estrangeiros.
Mas para sermos inclusivos, não deixaremos de referir as múltiplas referências que, durante estes últimos dias, têm aparecido nas redes sociais, repletos de ódios, meias verdades e boatos, a respeito deste interventivo político. Estes ventos sopram, como já era de esperar, com razão ou sem ela - a verdade virá ao de cima - quer de gente afeta ao regime de Salazar quer de uma multidão de retornados de África que atribuem, parte das culpas das suas desgraças, a Mário Soares, face a uma descolonização apressada e atabalhoada.
Nos tempos da pós-verdade, temos que nos encontrar inteligentemente preparados para este fenómeno social, que cada vez mais prospera nos nossos dias. 
O fenómeno consiste em alguém oculto ou não, ir-se dando ao trabalho de colocar nas redes sociais, notícias falsas ou não provadas que, embora de início se possam estranhar, lentamente se vão entranhando, interiorizando-se a tal ponto, que podem passar a ser a verdade que mais interessa ao emissor. O recetor, pelos mais diversos motivos, predisposto para acreditar, vai engolindo as falsas notícias, fazendo delas a sua verdade.
Esta realidade, em grande volume, já aconteceu nas últimas eleições americanas, assumidas por alguns jovens que tentaram lutar por um dos lados da luta política, espalhando a pura mentira acerca de um dos contentores.
A própria equipa eleitoral de Trump, sabe-se agora, espalhou nas redes sociais uma imensidade de ideias fundadas em factos falsos, que se foram tornando verdades indiscutíveis para muitos eleitores menos cultos ou desesperados nas suas vidas de pobreza, face à globalização e outras possíveis causas.
Já se sabia pela sábia voz do povo, que uma mentira muito repetida se pode tornar numa verdade. A força das redes sociais vêm agora confirmar esta afirmação. Deste modo, nos tempos da pós – verdade, podemos afirmar cada vez com mais certeza, de que a verdade se transmuta consoante o interesse do emissor. Deste modo, uma informação não sendo verdadeira, até pode ser mentira ou só meia verdade, mas, pelo facto de não estar confirmada por alguém como mentira, pode passar a ser verdade. Todos recordamos que Trump fez passar a mensagem de que não estão a acontecer no planeta alterações climáticas muito perniciosas para o nosso planeta, contradizendo o Papa Francisco e os cientistas. Para o novo presidente eleito dos Estado Unidos da América, aquela verdade científica não passava de uma invenção dos chineses, para fazerem frente à indústria americana. Este e outros exemplos, aos milhares, vão facilitar que os aldrabões ganhem espaço e espalhem as suas mentiras. Já o cristianismo afirmava nos seus primórdios que “o diabo é o pai da mentira” e “só a verdade vos libertará”.
No mundo que nos é dado viver, torna-se cada vez mais difícil distinguir o falso do verdadeiro. As ambições económicas, políticas e religiosas, sem escrúpulos, nos tempos da pós-verdade, tudo farão para baralhar e dar a suas viciadas cartas, num jogo sempre desigual, onde os novos meios tecnológicos, através das redes sociais, a todo o custo, tentam levar a melhor, para atingirem os seus não confessados interesses. Fiquemos atentos.
florentinobeirao@hotmail.com 

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