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O país está de luto

Luís Beato Nunes - 22/06/2017 - 9:47

"O fogo é um elemento presente nas paisagens dos países do Sul da Europa, tendo acompanhado o pastoreio e os desbastes da floresta, através do tempo, e condicionado o desenvolvimento ou regressão dos ecossistemas florestais.» Alves et al (2006) in Ferreira-Leite et al (2013) Até ao fim-de-semana passado tinha outro tema para abordar neste espaço, mas a tragédia que se abateu na tarde de Sábado em Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pêra, Pedrógão Grande e concelhos limítrofes, alguns dos quais da Beira Baixa levou-me naturalmente a alterar o texto. À data que escrevo, a catástrofe humanitária do maldito fim-de-semana passado deixou o país perplexo, com mais de 60 vítimas mortais, mais de 150 feridos, vários quilómetros de estradas destruídos, dezenas de carros engolidos pelo fogo e alguns milhares de hectares de eucaliptal e pinhal reduzidos a cinzas. Em 2016 a área do território nacional ocupada por floresta era de quase 36%, uma das mais elevadas da Europa, sendo que mais de 80% desta área era propriedade privada, dividida entre empresas de celulose e pasta de papel, exploração de madeira e heranças familiares perdidas em conflitos de gerações. Quase metade da floresta nacional é constituída por eucalipto e pinheiro bravo, duas das mais rentáveis espécies de árvores, sendo precisamente esta rentabilidade que alavancou investimentos na sua plantação em várias regiões do território nacional. Apesar de não serem autóctones, estas duas espécies conquistaram os espaços outrora ocupados pelo carvalho, azinheira e sobreiro, as principais espécies autóctones de Portugal e que ainda representam pouco mais de 40% da florestal nacional. Nos últimos 20 anos por mais de três vezes que os concelhos de Proença-a-Nova, Oleiros, Sertã e Vila de Rei, quatro dos concelhos da Beira Baixa que se incluem na zona do pinhal interior, viveram situações desesperantes provocadas por incêndios de grandes dimensões. As imagens divulgadas pelos vários meios de comunicação deram a conhecer um cenário infernal em que aldeias inteiras ficaram cercadas pelo fogo, famílias perderam tudo e uma nefasta estrada, a EN 236, viu várias dezenas de pessoas perderem as suas vidas da forma mais diabólica que se possa imaginar. A resposta solidária à catástrofe foi extraordinariamente comovente como já nos habituámos noutros desastres humanitários, mas não podemos continuar a testemunhar e lamentar estas situações sempre que ondas de calor atingem o nosso país. É indiscutível que as condições climatéricas potenciam a propagação dos incêndios florestais, mas não nos podemos resignar ano após ano quando muito pouco se tem feito para prevenir estes desastres. A desertificação das zonas rurais, a gestão desleixada das florestas e a resposta reactiva das autoridades centrais e locais podem e devem ser alteradas. A prevenção tem que ser uma prioridade do Ministério da Administração Interna, da Protecção Civil, da Liga de Bombeiros, das Autarquias Locais e deve, se necessário, mobilizar o Exército. O que sucedeu no fim-de-semana passado foi demasiado grave para ficar na história como mais uma catástrofe nacional e devemos pensar seriamente em medidas de prevenção eficazes, como a reorganização do território, a gestão profissional da floresta e a coordenação organizada dos meios disponíveis para o combate a estes flagelos. luis.beato.nunes@gmail.com

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