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Um novo paradigma laboral

Luís Beato Nunes - 05/04/2018 - 9:00

Nas últimas décadas o mercado de trabalho nos vários países da OCDE tem vindo a sofrer uma das mais violentas alterações de paradigma, aumentando os contratos a termo certo ou a simples contratação de prestação de serviços e privilegiando-se uma flexibilidade de horário que acaba sempre por resultar em mais horas de trabalho.
A maioria destas alterações tem como objectivo tornar o mercado mais adaptável aos ciclos económicos, permitindo que as empresas reduzam facilmente uma fatia significativa dos seus custos fixos, acelerando a própria duração dos períodos de recessão.
Contudo, e dando o benefício da dúvida a quem reflectiu sobre estas alterações, as implicações paralelas no quotidiano empresarial e na motivação dos profissionais acabam por ser absolutamente negligenciadas.
Um trabalhador contratado por um período de um ano começará a procurar novo trabalho seis meses antes do término do seu contrato, ou seja, metade da duração do seu contrato será passada a pensar em novas oportunidades noutras empresas ou organizações.
Quem é contratado por seis meses nem sequer está interessado em criar rotinas ou em contribuir para um bom ambiente de trabalho, porque o seu principal objectivo é encontrar um novo emprego no final do seu contrato.
Estes são dois pequenos exemplos, mas imagine-se o impacto familiar e social desta crescente insegurança laboral. É impossível para um casal pensar em constituir família sem a mínima segurança contratual.
Um crescente número de profissionais vive a sua vida familiar à distância com as consequentes implicações perniciosas para a educação dos seus filhos ou mesmo para a assistência aos seus familiares mais idosos.   
É impossível não pensar nas consequências que esta nova organização do trabalho acarreta para as gerações mais jovens. A decisão de casar adia-se intemporalmente, acabando muitas vezes numa separação frustrante em que o regresso à casa dos pais é a decisão natural.
Nunca houve tantos filhos com mais de trinta anos que são forçados a regressar à casa dos seus pais, procurando no seio familiar uma segurança que não encontram nas suas empresas ou no mercado de trabalho.
E esta segurança é fundamental para a nossa liberdade criativa, para arriscar novas abordagens, para testar novos serviços ou produtos, mas a precariedade apenas favorece o pensamento de curto-prazo.
Sem segurança contratual, um profissional apenas está preocupado em pensar no seu futuro daqui a seis ou oito meses, “picar o ponto” e reinventar novas formas de se apresentar ao mercado de trabalho na esperança de um dia encontrar o emprego desejado.
O horário das 9h00 às 18h00 é escrupulosamente cumprido, porque não há qualquer gosto ou motivação em arriscar um pouco mais quando a insegurança contratual não nos dá qualquer garantia futura e nos obriga a estar sempre alerta relativamente a novos empregos.
Muitos são os que trabalhando, têm três e quatro entrevistas por semana em empresas concorrentes ou noutros sectores de actividade. O profissionalismo cinzento do simples cumprimento do horário de trabalho substituiu a motivação genuína de trabalhar e fazer algo de diferente todos os dias sem estar sujeito necessariamente a um horário fixo.
Em suma, o novo paradigma do mercado de trabalho está a ter profundos impactos na criatividade dos profissionais e na sua motivação diária, quando esta poderia ser fortemente estimulada com uma maior segurança contratual e com perspectivas futuras de carreira. 

luis.beato.nunes@gmail.com

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