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A Brexit e o futuro da Europa

Luís Beato Nunes - 02/03/2016 - 19:09

No passado mês de Janeiro Harold James, professor de História no Instituto Universitário Europeu, em Florença, alertou no Project Syndicate que o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia (UE) poderá vir a ser mais um enorme desafio para a organização política da Europa.

Apesar de os apoiantes da permanência do Reino Unido na UE não se cansarem de enfatizar as consequências desastrosas que uma eventual saída deste país teria na sua economia, nomeadamente na City de Londres- o maior mercado bolsista do mundo-, há indicadores que apontam para um resultado perigosamente incerto no referendo agendado para o dia 23 de Junho deste ano.

Na edição desta semana a revista The Economist partilha estes receios, destacando o nervosismo do sector financeiro localizado em Londres e a tendência de desvalorização da libra esterlina face ao euro nos últimos meses, ao mesmo tempo que se torna cada vez mais difícil de perceber a estratégia do primeiro-ministro David Cameron nas recentes negociações com os restantes Estados-Membros da UE.

É verdade que ainda faltam alguns meses para a referida consulta popular, mas o sentimento de desconfiança do Reino Unido em relação à UE não é recente e tem as suas razões, uma vez que entre França, Alemanha, Itália e Espanha, o Reino Unido é dos maiores Estados-Membros da UE e que menos beneficia das diversas políticas europeias.

Apesar da aparente solidariedade europeia, as quezílias nacionais foram sempre óbvias, sobretudo na década de 1980 com Margaret Thacher a exigir o famoso “Cheque Britânico” em 1984, dado que os restantes Estados-Membros eram beneficiados na repartição do orçamento europeu, uma vez que o Reino Unido não se alavancava em nenhuma das grandes políticas europeias, nomeadamente no sector agrícola.

Com o passar do tempo esta desconfiança manteve-se mesmo durante os mandatos de Tony Blair enquanto primeiro-ministro, tendo o Reino Unido ficado fora da Zona Euro, ao mesmo tempo que reforçava a sua aliança atlântica com os EUA. Contudo, e como Harold James escreve no seu artigo, a própria identidade britânica parece uma ilusão, uma vez que muita desta identidade se confunde facilmente com a história de Inglaterra e com o domínio inglês sobre a ilha da Grã-Bretanha.

Na verdade, já o historiador John Elliott apelidava o Reino Unido de uma “monarquia composta”, ou seja, uma forma de organização política particularmente relevante na Europa a partir do século XVI, em que entidades separadas se juntaram para reforçar o seu poder regional no continente.

Assim, para além da eventual desintegração da UE há que considerar também as eventuais consequências na organização política do próprio Reino Unido, caso a opção de saída da UE seja a opção vencedora no referendo de Junho deste ano. De facto, já em 2014 o Partido Nacional Escocês quase conseguiu a independência da Escócia, tendo o argumento de uma eventual saída desta região da UE pesado bastante no resultado final do referendo.

Contudo, também se deve reconhecer a frágil identidade europeia, evidente nas permanentes disputas nacionais e na forma pouco concertada como questões fundamentais como a política de imigração estão a ser debatidas pelos vários Estados-Membros, para além da desastrosa abordagem da Zona Euro à crise financeira.

Em suma, mais do que desconfiança parece que os britânicos partilham a desilusão com as soluções que a UE tem oferecido, mas ao contrário do que David Cameron promete, uma eventual saída da UE não reforçará a suposta identidade comum dos britânicos, pois essa parece tão frágil como a identidade europeia.

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