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Cata-Ventos: A poesia saiu à rua

Costa Alves - 18/04/2024 - 9:39

25 DE ABRIL. “Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo.” (Sophia de Mello Breyner)
MULHERES DO MEU PAÍS. “Deu-nos Abril /o gesto e a palavra // fala de nós / por dentro da raiz // Mulheres / quebrámos as grandes barricadas / dizendo: igualdade / a quem ouvir nos quis // E assim continuamos / de mãos dadas // O povo somos: / mulheres do meu país.” (Maria Teresa Horta)
REVOLUÇÃO. “Como casa limpa / Como chão varrido / Como porta aberta / Como puro início / Como tempo novo / Sem mancha nem vício / Como a voz do mar / Interior de um povo / Como página em branco / Onde o poema emerge / Como arquitectura / Do homem que ergue / Sua habitação.” (Sophia de Mello Breyner)
NÓS SOMOS. “Como uma pequena lâmpada subsiste / e marcha no vento, nestes dias, / na vereda das noites, sob as pálpebras do tempo. // Caminhamos, um país sussurra, / dificilmente nas calçadas, nos quartos, / um país puro existe, homens escuros, / uma sede que arfa, uma cor que desponta no muro, / uma terra existe nesta terra, / nós somos, existimos. // Como uma pequena gota às vezes no vazio, / como alguém só no mar, caminhando esquecidos, / na miséria dos dias, nos degraus desconjuntados, /subsiste uma palavra, uma sílaba de vento, / uma pálida lâmpada ao fundo do corredor, / uma frescura de nada, nos cabelos nos olhos, / uma voz num portal e a manhã é de sol, / nós somos, existimos. // Uma pequena ponte, uma lâmpada, um punho, / uma carta que segue, um bom dia que chega, / hoje, amanhã, ainda, a vida continua, / no silêncio, nas ruas, nos quartos, dia a dia, / nas mãos que se dão, nos punhos torturados, / nas frontes que persistem, / nós somos, / existimos.” (António Ramos Rosa)
TRAVESSIA DO DESERTO. “Que caminho tão longo! / Que viagem tão comprida! / Que deserto tão grande! / Sem fronteira nem medida! // Águas do pensamento / Vinde regar o sustento / Da minha vida // Este peso calado / Queima o sol por trás do monte / Queima o tempo parado / Queima o rio com a ponte // Águas dos meus cansaços / Semeai os meus passos / Como uma fonte // Ai que sede tão funda! / Ai que fome tão antiga! / Quantas noites se perdem! / No amor de cada espiga! // Ventre calmo da terra / Leva-me na tua guerra / Se és minha amiga.” (José Mário Branco)
A VIDA. “A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua / mais que perfeita imprecisão, os dias que contam / quando não se espera, o atraso na preocupação /dos teus olhos, e as nuvens que caíram / mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações / a abrir-se para dentro e para fora / dos sentidos que nada têm a ver com círculos, / quadrados, rectângulos, nas linhas / rectas e paralelas que se cruzam com as / linhas da mão; // a vida que traz consigo as emoções e os acasos, / a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram / e dos encontros que sempre se soube que / se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com / quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo / o rosto sonhado numa hesitação de madrugada, / sob a luz indecisa que apenas mostra / as paredes nuas, de manchas húmidas / no gesso da memória; // a vida feita dos seus / corpos obscuros e das suas palavras / próximas.” (Nuno Júdice)
25 DE ABRIL. “Deixo que a palavra / tão incerta / teça // a liberdade a meio / deste Abril / para que a memória em Portugal não esqueça // tomando da flor / o cravo na matriz // teimando que a paixão / a tudo vença // dizendo não àquilo / que não quis.” (Maria Teresa Horta)

mcosta.alves@gmail.com

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