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Cata-ventos: Desenhos animados contra as crianças

Costa Alves - 16/01/2020 - 9:41

Vá, leitor, delicie-se quanto puder com este canal de filmes para crianças que estou a ver. Em cena, uns monstrozinhos deambulam simulando parecer-se connosco e expelindo lume e fumo por uma espécie de tubos que fazem de braços e de cauda.
Movimentam-se a cair no ar caindo sem chão e projetam ritmos de vertigem esvoaçando sobre abismos impensáveis. Não posso dizer que estou a divertir-me. Limito-me a confirmar o que já sabia destes programas de televisão que as crianças engolem hipnotizadas.
Corro atrás da ação esfalfando-me, inutilmente, a seguir a passada hipersónica das imagens. Fico sempre a milhas da distância de poder acompanhá-la. Agora, alguém pede socorro e ouvem-se estaladas e gritos. Também me apetece gritar, mas contra eles.
Um bebé está na mão de um daqueles monstrozinhos e desfaz-se em fogo. Mantém-se corpo, mas corpo negro. Perante o meu protesto, a criança a meu lado, de olhos concentrados naquela estranheza, responde-me: “Chiu!”
Enfim, chegam anúncios. Parecem feitos de fogos de artifício mil vezes mais estrelejantes do que os habituais. Percebo. Para miúdos, não podem ser apenas inesperados; têm de ser inesperadamente tenebrosos. Tento novo comentário e a ordem volta a perfilar-se imperativa: “Chiu!”
Também não sei a que propósito, anunciam que é o Dia do Dinossauro. Um dinossauro está a ser massajado na cama e outros monstrozinhos riem a bandeiras despregadas, garantindo não quererem sabotar o Dia do Dinossauro. Zangado, o nosso “homem” não quer o pequeno-almoço e atira o tabuleiro para o caixote do lixo. Tudo em modo metálico; também nos sons. A dada altura, aparece uma grua com braços que levam à boca uma espécie de massas italianas; sempre em modo estridente. Não consigo resumir o que sinto.
Outro monstrozinho pede para lhe fazerem uma massagem mais forte e, de repente, um gigante agride-o. Não percebo a lógica. Cena seguinte: repousa mumificado num hospital. Há quem cante tocando sem mãos uma guitarra que está dentro da barriga; dentro, sim. O dinossauro expele fogo e chora. Não percebo o que está a passar-se, mas a criança a meu lado continua a mandar-me calar, enquanto o monstrozinho da guitarra na barriga abre uma torneira e expele água pelos ouvidos. 
O Dia do Dinossauro termina como Dia da Piza (posso cortar um zê? O Ciberdúvidas diz que sim) e alguém pergunta se pode encomendar uma. Seguem-se aventuras indecifráveis a propósito da transformação do Dia do Dinossauro em Dia da “Pizza”. Além dos anúncios de pizas, desfilam de legos, de gelados e de outros que, quase subliminares, não anotei. Enfim, habilidades comercialeiras que bem conhecemos.
O que mais me dana é este corpo que se apresenta como radioativo e espalha radioatividade com justificações professorais. Extermina tudo à volta criando um ambiente aterrador para mim e, pelos vistos, banal para crianças. Esta outra escola está muito longe de saber que não se pode brincar fabricando piruetas hiperativas deste quilate. E, muito menos, que se pode trivializar a radioatividade com desenhos animados destinados a crianças.
Tudo travestido como “cartoon” em “net” de trabalho. Isto é, desenhos animados por muito maus sentimentos, antipedagógicos e antiestéticos, agressivos, viciosamente hipersónicos e hiperluzentes, anti-humanos e afastados da vida. Estão em palco para seduzir crianças que não têm outro brincar sem muitas destas drogas. As escolas têm problemas, mas não se comparam com as escolas destes canais.
mcosta.alves@gmail.com

 

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