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Cata-Ventos: Empurrar com a barriga

Costa Alves - 30/11/2023 - 10:55

No meu fraco entendimento, acho que, para poderem empurrar com a barriga, tem de haver barriga - branco é, galinha o põe, não é? A barriga desse televisivo dizer é de ar e vento a vaguear com palavras de uma obesidade verbal que o “socialmente correto” continua a estimular. Gordura foi deixando de ser formosura, mas a gordura das palavras é gordura soprada a todos os ventos com pregações em alta voz, a ver se conseguem que sejam ouvidas nas cápsulas onde moramos.
Acho que devo aconselhar os senhores da bolha político-mediática a não discorrerem tão amiúde usando empurrões com a barriga. Para mais, é uma paupérrima imagem que querem fazer passar como intelectualmente sanitária - até parece que ainda estou no tempo da pandemia. A valer, o conselho impõe uma cláusula insuperável: o compromisso de não empurrarem tanto para a frente com a enorme barriga das suas palavras os tantos problemas e desencantos do país. Um exemplo basta: olhem para a enorme barriga dos segredos de justiça decretados para ficarem resguardados e, afinal, são para circular pelos altifalantes julgadores da praça pública televisiva.
Que fazer? Agora que vão empurrar até março (e mais não sei quantos meses) barrigas carregadas de balas de palavras, não quero ver nem ouvir. Ainda não perceberam que “barriga grande não dá entendimento”? E que empurrar com a barriga não é fatalidade de ser português? Vá lá, não estraguem mais o que já está estragado! O 25 de Abril está a fazer 50 anos. Foi tão bom e bonito. Soube-me a tanto, tanto que nem sei onde se acabam as lonjuras e profundidades do tanto que abriu.
Já que estou com a mão na massa, permitam que interrogue outra expressão que tem assento garantido na prosa das notícias e comentários que as exploram tão fastidiosamente: “Vontade política”. Há muito que ando com vontade de me meter com ela e de hoje não passa. A brincar a brincar, pode ser que consiga influenciar alguém – vejam como isto vai, até precisaram de mais um anglicismo (“Influencer”) para nos sobre(a)ssaltar.
Na verdade, não há dirigente partidário, jornalista e comentarista, manifestante (e quantos de nós) que não ande com a expressão na boca. É engraçado, mas nunca vimos um membro de qualquer Governo, afirmar que o seu Governo não tem vontade política de fazer seja o que for. É tabu.
Para qualificar a vontade, não temos muitas palavras, além das habituais designações de intensidade: nenhuma, pouca, muita, fraca, moderada, forte. Há também ter boa ou má vontade, mas isso não conta para este caso. Vontade é uma palavra com inegável personalidade substantiva para se impor por si própria. Confesso que, além daqueles qualificadores da intensidade da vontade, haverá mais algumas adjetivações que também lhe assentam: tenaz, firme, persistente. Poucas mais. E a injeção da vontade, adjetivada de política, é mais uma das muitas redundâncias do falar que anda por aí. 
Vejamos: o Governo não tem vontade significa que o Governo não tem vontade, ponto final - será caso para invocar o testemunho sobre o Sr. de La Palice? “O Senhor de La Palice / Morreu em frente a Pavia; / Momentos antes da sua morte, / Podem crer, inda vivia.” E não é que inda está vivo e farto de estar? 
Vontade política? Sendo assim, invoquem vontades económicas, filosóficas, financeiras, sanitárias, autárquicas, ambientais, eu sei lá, até atmosféricas. Este politiquês da Política é arrevesado e complicativo. Estou habituado, mas custa. Valha-me a voz popular de fundo: “À porta de surdo bate à vontade.” Pronto, cá estou a bater.

mcosta.alves@gmail.com

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