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Cata-Ventos: Guerras do fim de mundos

Costa Alves - 21/04/2022 - 9:20

As guerras são o que sabemos. Terramotos insaciáveis devastam as coisas, as vidas e os sonhos. Desabam sobre gritos. Deixam estilhaços para inspirar e futuros avariados. 
Foi sempre assim, dizia a minha avó. Estou a vê-la compondo um jarro onde as rosas de um vermelho muito vermelho me desviavam do que ela sabia a respeito das guerras. Ainda havia inocências a navegar no céu e pássaros que ensinavam a voar.
Passámos por tantas guerras desde a do Peloponeso. Até de antes. Não há alfabetos de milhões de letras ou algarismos que cheguem para as enumerar. A minha avó não leu livros de História, mas conhecia por dentro a história que a sua vida de história confirmava. As guerras nascem do inverso das razões que temos para viver e ela queria que eu vivesse sem as guerras.
Mais tarde, soube de guerras cujos estrondos ainda circulam nas minhas veias - muitas nem chegaram aos calcanhares dos alto-falantes. O Saara Ocidental, irmão de Timor desde 1975, ainda espera o que nunca mais lhe chega entre os muros de Marrocos, Espanha e ONU.
Já estava cá, não estava em Lacluta, naqueles anos negros em Timor. Nem no cemitério de Santa Cruz. Dizer terror é pouco. Sei o que contaram as pessoas mais doces e crédulas que conheci lá.
Não estive em Hiroxima, mas sei que um enorme cogumelo chupava todo o oxigénio e implodia o que houvesse. Também não estive no Vietname; apenas enfrentei as bastonadas da polícia de choque que não precisavam de usar mísseis nem napalme. Mas não deixavam de cortar respirações e produzir escoriações. Também quiseram que fosse à guerra; era colonial e nunca iria. Queimaria o que pensava, se tivesse ido. 
Vim a saber que nenhum país escapa ao que as guerras procuram. Não houve uma de que não tivéssemos padecido em qualquer esquina do tempo. Provavelmente, nenhuma geração de humanas criaturas, de que temos história, escapou. E só evoco guerras desmedidas. Guerras que racham cidades ao meio como se mil ciclones de sopros aterradores ali caíssem. Aterradores diz pouco. Já sabemos que as palavras não têm todos os utensílios.
Também não vivi na Faixa de Gaza e não posso testemunhar como se pode viver tanto tempo em labirintos debaixo de chão. As guerras emitem sopros que sufocam, devastam, esventram até que os rios de vida quotidiana deixem de correr.
Não tenho capacidade para comparar e muito menos para avaliar. Os mísseis voam autómatos sabendo que buracos abrir para que a morte exploda no que pensamos e, pronto, fez o seu trabalho. Maldita seja, que nos tira o que não voltaremos a ter! Nenhuma janela se abre para acudir ou, tão só, gritar. Nenhuma criança estará a brincar nos caminhos que lhe abrimos. Ninguém que possa perceber o estrondo de um céu que se despenha.
Mariupol, Bagdade, Trípoli, Belgrado, Sarajevo, Dresden, Varsóvia, Guernica, etc etc. Tantas cataratas de fogo abrindo precipícios que não se apagam na memória, florestas de vida incineradas com tudo o que abrigam, mixórdias de coisas, corpos e cinza. Placas de zonas de influência geoestratégica em fricção belicista. Inverno de sombras a cair num mundo de fim do mundo. E já nem falo de aquecimento global e alterações climáticas. É uma grande aflição que vai ser apagada do mapa das grandes aflições por conta de mais fósseis recursos. 
A minha avó tinha razão. Foi sempre assim e assim há de continuar até um até que não conhecemos - se é que alguma vez irá existir esse tão desejado até.
As guerras fazem um mundo de fim do mundo. Estamos sempre a disfarçá-las.

mcosta.alves@gmail.com

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