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Cata Ventos: Votou bem?

Costa Alves - 07/10/2021 - 9:28

Não é a primeira nem a segunda vez, nem se calhar uma mais avançada enésima vez que, em dia de votação, me perguntam ou ouço de passagem: “Votou bem?” Depois de terem depositado o voto, desembaraçadas do destino que as levou, as pessoas regressam e vão-se encontrando domingueiramente quando a minha querida meteorologia assim o decide e vão perguntando: “Votou bem?” Será uma rotina que tantas eleições acabaram por criar, mas a pergunta fica sempre a vibrar como uma incógnita dentro de mim.
Mesmo sem querer, interrogava-me sobre o que significava “votar bem” e se o tinha feito. No caminho de ida, não ouvia esse perguntar; ouvia um conselho com modos imperativos: “Vote bem!”
Que é “votar bem”? A pergunta parece desnecessária, inútil; até fútil. Já o tenho afirmado a quem me permite sinceridade. A primeira reação vem inchada de perplexidade, embaraço, hesitação. Na segunda reação, deparo com mãos e pés enleados remoendo uma explicação que não encontra ponta de inspiração.
É uma pergunta que não tem resposta. Nem espontânea nem com mínimos de sustento. É uma pergunta vazia. Nunca ninguém foi surpreendentemente inocente para me responder: “É votar como eu.” Se vier a acontecer, além do presunçoso autoconvencimento, ficará a pairar o mistério de qual foi o quadradinho em que cada um de nós inscreveu a cruzinha. Mesmo assim, a definição de “votar bem” continuará inconclusiva. O enigma persistirá num jogo de subentendidos que só poderemos decifrar usando um código de cumplicidades. Seria preciso que a escolha de cada um fosse escolha unânime – e a única virtuosa.
Nunca esqueci a resposta de um amigo quando o confrontei com a inutilidade da interrogação “votou bem?” ou do conselho imperativo “vote bem!” Era igual à que eu dava a mim mesmo: “Votar bem é votar em consciência.” Não é um votar de rebanho que a pergunta ou o conselho subentendem. Se bem que votar em consciência tem as suas complexidades e muito que se lhe diga.
Entretanto, as duas semanas anteriores ao dia da votação são teoricamente formatadas para que conheçamos o que os concorrentes nos propõem. Duas semanas para substituírem o que não fizeram em vários anos. Mas, as campanhas eleitorais não fazem isso; são um enfado. Um incómodo que apenas metade da população aceita suportar acorrendo ao voto. São um período em que se lembram de que precisam de nós e, em vez de corrigirem o que não fazem entre eleições, massacram-nos com as suas pressurosas praxes eleitoralistas. Forram as vistas com fotografias tipo passe ao lado de uma curta frase calculadamente retórica e vazia e tentam cativar-nos com a mesma tática com que se promovem produtos de consumo. Os financeiramente mais dotados banqueteiam-se com o tamanhão dos cartazes, com as suas arruadas (há palavras muito feias) e com a estridência que os seus carros alto-falantes exalam.
Digamos que a preparação do “votar bem” é muito condicionada. E só interessará à metade dos eleitores que decidiu depositar o seu voto na caixa (urna? - além de feia, é uma palavra mal-vinda). Não esclarecem e pesam sobre a maioria não afiliada. Enquanto isso, uma cidade de pequena-média dimensão, como esta, sente-se submetida a um cerco. Em vez de pensadora do seu viver e do futuro que deseja, fica emparedada esperando pacientemente que a coisa passe. E a tal metade vota no que parece, no que agrada mais à vista ou à flor da pele. Não no mais dentro e no mais futurável.
É uma democracia pobre que não deseja nem sonha desempobrecer. Podia ser de outra maneira.
mcosta.alves@gmail.com

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