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Cata-Ventos: Curtos circuitos pelo falar da televisão

Costa Alves - 03/03/2016 - 9:00

Confesso que não sei se “estão reunidas as condições” para o pleno “conseguimento” (como alguém diria) deste Cata-Ventos. Isto de tentar captar aragens propícias tem que se lhe diga. Vamos ver se consigo fazê-lo convocando algumas expressões que a televisão usa e de que abusa.

Estão reunidas as condições.

No idioma “televisionês”, que ouvimos e até já falamos, fartam-se de anunciar que as condições estão reunidas. É uma espécie de jogo em que baralham as cartas (aqui para nós que ninguém nos ouve: quantas vezes mal baralhadas) e quase nunca as mostram. Nem sequer uma, mesmo tirada à sorte. Tocam a reunir as ditas condições mas não as designam. Na tropa, quando tocavam as trombetas de reunir, as condições também não tinham importância. Enfim, são flores mal regadas de retórica para deitar fora. Provavelmente, até as atiram ao Tejo, como se fossem sacos de plástico aumentando a poluição que por ali vão espalhando e que Espanha também alimenta.

Empurrar com a barriga.

Ora aqui está uma expressão que não lembraria a ninguém, mas lembra a quem circula pela política na televisão. Há tantas maneiras de empurrar os problemas para o esquecimento e logo se lembraram de o fazer com a barriga. Vejam que raramente falam em resolver a equação dos problemas que temos pela frente esmiuçando variáveis e incógnitas. Não. Por via disso, os comentadores passaram a ter de criar, também eles, enormes barrigas de ar e vento para empurrarem para as calendas o que nunca enunciam. E não é que não rebentam?

Dito isto.

Confesso que já não posso “ouver” esta monocórdica bengala dos “dito isto”. Bem sei que é um tique mas também um truque de quem atribui muita importância ao que disse e se propõe continuar. Há várias maneiras de o fazer; esta podia desaparecer. Antes que se pegue a nós.

Aquilo que é.

É o último dos tiques a irromper e já quase ninguém o rejeita. Ministros, deputados, comentadores, jornalistas, não dizem: “temos de vencer a austeridade”. Não e bem sei que há uma minoria que não o dirá. Mas, mesmo dentro da maioria, quem o diz pinta a manta com o “aquilo que é” das palavras a mais: “temos de vencer aquilo que é a austeridade”. Cheira-me que não é a arrastar redundâncias que chegamos lá…

Por uma razão muito simples.

Estão sempre a diminuir as capacidades da inteligência de quem quer que os defronte e, sobretudo, as de quem, como nós, assiste às cenas que fazem na exibição de “uma razão muito simples”, como se tivessem sido eles a descobrir a pólvora ou que o rei vai nu. Convenhamos: quem usa esta bengala, não anda dois passos sem tropeçar nas palavras. Cuidado, ouvir falar assim pega-se!

As pessoas, lá em casa, têm que perceber.

Ora vejam a ideia que faz de nós quem assim fala! Ficamos obrigados a perceber o que quem o diz ordena que percebamos. A sua repetida repetição não será supérflua. Perceber, aqui, significará aceitar, perfilhar, adotar, engolir. Receio que, se não fugirmos, sujam-nos o cérebro.

Uma vez por todas.

Não há meio-termo. Nem duas, nem dez vezes. Diria mesmo: nem oito nem oitenta. O mundo é diminuído a preto e branco; os jornalistas adoram torcer a complexidade transformando-a em caricatura. Os demais intervenientes em televisão adoram este virtual e horroroso mandamento mas, mudar “uma vez por todas”, não é para qualquer. Passam a vida a agitar esta bandeira mas não conseguem içá-la.

Post scriptum recordando o Dr. José Freitas Silva, meu companheiro de anos nesta página.

mcosta.alves@gmail.com

 

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