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Cata-ventos: No ano de vinte vinte e um

Costa Alves - 02/12/2021 - 9:31

Estamos no ano dois mil e vinte e um, mas olhe que agora já há quem não queira que se diga dois mil e vinte e um. Já vão dizendo vinte vinte e um. É o que vou ouvindo a políticos, jornalistas e comentadores e, até, em canções. Se assim aventam, é muito mau sinal. São eles que comandam as maneiras e os maneirismos do nosso falar.
Já repararam que começam a proliferar “influencers” nos ecrãs das nossas casas? Influenciadores? Não, obrigado. Já temos lobistas e “opinion makers” que cheguem. Como se guiam pela língua inglesa, e não gostam ou não sabem o suficiente da portuguesa, pimba! Não escapam ao carimbo do pimba na folha do seu provinciano cosmopolitismo anglófono e anglófilo.
Confesso que ouvia falar em vinte vinte e nos planos até vinte trinta e não entendia. Era ciência a mais para este meu antiquado triciclo. A minha cabeça não se esticava para atingir os sagrados conhecimentos de quem, tão elevadamente, assim se autocondecorava com estas formas de falar. Vinte vinte e um? Era um mistério.
Um dia fez-se-me luz. Um raiozinho. Burro de uma figa! Então não se está mesmo a ver que dizeres-te no ano de dois mil e vinte e um é uma tosca banalidade indigna do que mais avançado se discursa no mundo? Que provinciano te tornaste nesse tão exterior Interior em que vegetas! Então não se está mesmo a ver que no ano dois mil e trinta não atingirás o que tens andado a desesperançar sobre o aquecimento global? Só com falares cosmopolitas e não de arraia-miúda é que lá chegarás. Isto de ter nascido e crescido no lado oculto da Lua é o que dá. Tenho de assumir e corrigir a escuridão do que julgava saber e, afinal, não sei.
Vendo bem, esta maldita pandemia começou em vinte dezanove e não sabemos quando estaremos livres dela; muito menos em vinte vinte e dois. E as Torres Gémeas foram atacadas quando? Em vinte um. Facílimo de entender, n’é? E dou comigo a corrigir tudo o que a Musa Antiga canta. Ai, meu Camões, seu ignorante, vai pentear-te à inglesa e aparece! Já corrigiste a designação do ano em que publicaste “Os Lusíadas”? Não, não foi em mil quinhentos e setenta e dois. Apaga e escreve: ano de quinze setenta e dois. E tu, Fernando Pessoa, nem o ano em que nasceste consegues dizer em idioma de gente avançada… Tu que sabias tanto inglês. Vá, regista: vieste a este mundo em dezoito oitenta e oito e só dou graças. 
Na verdade, não se pode ser génio em tudo. Até o Einstein não sabia nada de computadores e nem sequer era capaz de “tuistar”. Nem pôde saber que os americanos tiveram que fugir do Vietname com as calças na mão no ano de dezanove setenta e cinco, depois de terem pintado montes e vales com fartura de napalme. E que outra fuga aconteceu no Afeganistão neste ainda pandémico ano de vinte vinte e um. O que a História perdeu com o azar de não termos nascido em língua inglesa…
Cá por mim, garanto que já revi os anos que assinalam os passos que dei e já avisei o mestre Galileu Galilei, a quem tanto devo, sobre o ano em que nasceu: quinze sessenta e quatro. Quinze sessenta e quatro? Nem usando o telescópio, meu velho pisano, serias capaz de descobrir a Lua Cheia deste idioma em que todos devíamos nascer. Já avisei o pobre do Giordano Bruno de que afinal foi queimado pela Inquisição em dezasseis zero.
Atenção! Dizem que em vinte vinte e quatro vêm aí grandes celebrações do que aconteceu, cinquenta anos antes, em vinte e cinco de abril de dezanove setenta e quatro. Ai ai, 25 de abril, como te vão disfarçando!

mcosta.alves@gmail.com

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