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Leitores: Cebolais de Cima. Estatística Industrial 1911

António Luís Caramona * - 21/01/2021 - 10:06

Ficamos ainda a saber que o trabalhador com melhor jorna e mais bem pago era o fogueiro maquinista, como operador da caldeira e do motor a gas pobre,

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Nesta foto, tirada sensivelmente por esta data, pode-se ver o Fiadeiro da fábrica, de bigode façanhudo, Manuel Nunes e, a seu lado um Cardador com a cardeta na mão. O Fiadeiro, natural de Castelo Branco estava casado com Belisandra da Piedade e, as duas crianças em baixo, vestidas de branco, são filhas do casal (Emília dos Anjos e Maria da Piedade).

De acordo com um Boletim do Trabalho Industrial, editado pela Imprensa Nacional datado em 1911, contendo uma Monografia Estatística do Concelho de Castelo Branco, refere ao autor Gregório Pinto Júnior, adjunto da 2ª. Circunscrição dos Serviços Technicos da Indústria, sobre a indústria de lanifícios no concelho que “…esta se encontra dispersa pelas freguesias de Cebolais de Cima e Retaxo, tendo como suporte três fábricas de cardação e fiação para o fornecimento dos fios…” que as tecelagens caseiras consumiam no fabrico dos panos que produziam.
Referia-se no Boletim que, a mais importante dessas fábricas, a Fábrica de Fiação de Cebollaes de Cima, está instalada no concelho de Castelo Branco não se referindo às outras duas porque se encontravam instaladas no concelho de Vila Velha de Rodão. Sem que fossem, pois, identificadas na Monografia Estatística, estas duas eram a Empresa de Fiação e Cardas da Balsinha instalada também em Cebolais, mas na área da freguesia já pertencente ao concelho de Rodão e a outra era a Fábrica de Fiação da Foz do Cobrão cujos principais accionistas eram, maioritariamente, fabricantes de panos de Cebolais. 
As três fábricas “…forneciam todo o fiado usado nas tecelagens caseiras onde são produzidas algumas saragoças ordinárias e outros tecidos a que dão o nome de castelhetas…”. Particularizava o Boletim que, “…a Fábrica de Fiação de Cebollaes de Cima acha-se muito bem montada e tem uma capacidade produtiva muito importante, devido aos mecanismos aperfeiçoados de que dispõe, tanto em cardas como em fiações…”. Sobre os seus imóveis esclarece serem compostos “… por um edifício principal com dois enormes salões bem iluminados e arejados, sendo o rés-do-chão onde estão instaladas as máquinas, e o primeiro andar destinado à pesagem e armazenagem das lãs e fios...”. O parque de máquinas era constituído por “… uma esfarrapadeira, uma escolhedeira, um lobo ou carduça, um batoir ou vareadeira (hoje designa-se por batedor) para preparação das lãs, quatro cardas cilíndricas, três fiações com 1.125 fusos, um batano (ou pisão, para o apisoamento dos panos) equipamento que já não trabalha, um esmerilador e uma máquina de fazer cordão…”. Anexas ao edifício ficam duas casas, a da caldeira e da máquina a vapor, e uma outra onde está instalado o motor a gaz pobre com a potência de 50 cavalos que acciona as máquinas e um gerador eléctrico destinado à iluminação do trabalho nocturno. Ao lado, um barracão serve de depósito de carvão e, mais adiante, vimos a saber que se “… consomem 108 toneladas de antracite por ano e, na rua, se localiza uma casa de habitação, em parte da qual reside o mestre da fábrica, a quem é oferecida habitação gratuita estando a maior parte reservada para a comodidade do proprietário…”
À data desta recolha estatística o proprietário já era Joaquim dos Santos do Sal que, por escritura de 18.1.1903, adquirira a totalidade das sessenta e quatro partes do capital social da empresa pelo valor de um conto setecentos e cinco mil réis (1.705.000:000). Neste negócio coube ao fundador da fábrica, João Gonçalves Rodrigues Cabrito, a quantia de 1.405.000:000 réis relativos a cinquenta e duas partes que ele detinha, a José Gonçalves 150.000:000 réis por seis partes sendo as restantes seis que, por morte da sua mulher Maria Duarte Bentinha estavam dividas em partes iguais pelos seus herdeiros, Maria Bentinha casada com António Belo Júnior, Maria Gonçalves casada com João Belo Júnior, Domingos Gonçalves Duarte casado com Maria Duarte d’ Oliveira e Joaquim Gonçalves Duarte casado com Isabel Ribeira, os quais receberam 37.500:000 cada um.
Dos vinte e sete operários que compunham o quadro de pessoal da fábrica nesta data “… todos são da localidade e vivem em suas casas, umas miseráveis barracas sem conforto e sem condições de higiene, tendo na sua maioria um só pavimento e a cobertura a telha vã, sem forro nem guarda pó…doze deles são maiores e quinze menores de idade sendo que apenas sete sabem ler e escrever”. 
Sobre o período de laboração da fábrica, este variava ao longo do ano dependendo do ciclo da tosquia e, como tal, da existência de mais ou menos lãs para serem fiadas. Nos meses de Março a Setembro o horário era das 5 horas da manhã às 19 horas, com intervalo de 30 minutos para “almoço” a meio da manhã e outro de 2 horas para “jantar” a meio da tarde e, nos meses de Outubro a Fevereiro, o trabalho decorria entre as 7 e as 17 horas com intervalos de 30 e 60 minutos para as refeições. Anualmente estimava-se que seriam transformadas cerca de 50 toneladas de lã branca e outras 30 toneladas de lã preta as quais perdendo, em média, cerca de 55% do seu peso com a lavagem, cardação e fiação, ficariam assim reduzidas a 22.500 quilos de fio branco e 13.500 quilos de fio escuro.
Estas matérias primas, quando o industrial não tinha capital para a sua compra, eram fornecidas já depois de lavadas pelas “…diferentes famílias que se dedicavam à fabricação caseira dos panos”. Nestes casos, a fábrica cobrava 160 réis pelo serviço de cardação e fiação das lãs brancas e 120 réis pelas lás pretas.
Considerando o fio produzido pela fiação das lãs próprias e o serviço a feitio para os vários paneiros, estimava-se que cada um dos 1.125 fusos fiava, em média, 1,2 quilos por semana ou sejam 70.200 toneladas de fio por ano, sendo destas cerca de 60% de fio branco.
Ficamos ainda a saber que o trabalhador com melhor jorna e mais bem pago era o fogueiro maquinista, como operador da caldeira e do motor a gaz pobre, seguia-se-lhe o mestre geral com o fiadeiro e o encarregado pelo armazém. Por ordem salarial decrescente seguiam-se os três cardadores, o escolhedor das lãs lavadas, os dois preparadores de lotes, os dois serventes e, finalmente, os quinze rapazes que trabalhavam como pegadores de fios. A “féria” era paga semanalmente condição esta que se manteve assim na indústria por mais de meio século.


paudegiz@gmail.com
(escrito de acordo com 
a antiga ortografia)

 

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