Por razões profissionais estive no Brasil na semana passada e assisti aos últimos dias da campanha eleitoral que, sendo o Brasil o que é, foi quase um Carnaval antecipado com música, muita dança e palavras de ordem divertidíssimas.
Ouvi dezenas de entrevistas e praticamente todos os entrevistados que apoiavam Bolsonaro, que eram a maioria, referiam invariavelmente dois temas: a segurança, ou melhor, a total falta dela, e a corrupção. Para quem não saiba, são assassinados cento e cinquenta polícias no Rio de Janeiro por ano e morre muito mais gente em crimes violentos no Brasil do que na guerra da Síria e do Afeganistão juntos. Aliás, das cinquenta cidades mais violentas do mundo, 17 estão no Brasil. Quanto à corrupção, calcula-se que só do saco azul da Petrobras saíram mais de 70 mil milhões de dólares e fala-se num outro caso que está para rebentar em que dinheiro por fora das ajudas de Lula, esse grande amigo de José Sócrates, a países africanos haveria muito mais.
É esta realidade que explica o fenómeno Bolsonaro, que em seis meses passou de 8% de intenções para 55% dos votos expressos. E é esta realidade que a esquerda e o centro bem-pensante em Portugal ou desconhece ou finge ignorar. A quantidade de disparates que foram ditos e escritos sobre o que Bolsonaro é e vai fazer mostram que a esquerda e algum centro em Portugal vivem noutro mundo, que não o do dia-a-dia dos cidadãos.
É óbvio que o sujeito é pouco frequentável, mas já dava para perceber que, ao contrário de muitos, ele aprendeu tudo de Trump. Desde logo como fazer uma campanha bombástica com tiradas entre o delírio e a provocação quase criminosa, que lhe garantiram tempo de antena gratuito e varreram do cenário as propostas dos opositores.
É claro que a maior parte dessas propostas era uma reedição do “Ó patego, olha o balão” do Vasco Santana na Canção de Lisboa e nunca passarão disso mesmo. Quem se lembra ainda da “Crooked Hillary” de Trump, que ele ia meter na cadeia no dia seguinte à vitória?
Mas, se há coisa que a esquerda portuguesa, e não só, tem em excesso é a capacidade de esquecimento. É claro que Hitler é um dos maiores dementes políticos da história, mas disputa o posto de maior monstro político com Stalin ou Mao, que mataram, cada um, mais de 30 milhões dos seus cidadãos com medidas económicas imbecis e os mais brutais sistemas repressivos que a história já conheceu, do que a esquerda raramente fala. É bom lembrar que o PCP em Portugal ainda acha que a União Soviética era boa e tem dúvidas sobre a maldade da Coreia do Norte.
Para lá do esquecimento, a esquerda tem outro problema que é a distração. Tal como não percebeu o problema da insegurança dos brasileiros, tem dificuldade em perceber a insegurança dos portugueses.
Acabo de ouvir na rádio que o maior problema dos produtores de alfarroba no Algarve é que todos os que tinham alguma alfarroba armazenada, sim todos, foram assaltados este ano. Parece que há dois anos foram os dos citrinos. No Alentejo e em Castelo Branco, os roubos de cortiça nas pilhas ou na árvore (!) e os assaltos a quintas e habitações são já um hábito e ovelhas e vacas sem guarda viajam alegremente de noite para longe dos donos.
Queixava-se o algarvio de que os ladrões raramente são apanhados e quando o são, são libertados pelos juízes porque a lei exige que os apanham em fragrante delito, o que é quase impossível. É claro que temos em Portugal uma delinquência que vive da escassez de meios da polícia e de uma legislação que a desautoriza e ata as mãos aos juízes. Por vezes o problema é mais grave. Basta procurar na net por agressões a polícias e sai um rol de agressores que saem em liberdade ou com pena suspensa, como o que no Norte agrediu um polícia com um tijolo na cabeça mas, segundo o juiz, “não mostrou intenção de o matar”.
Em Castelo Branco, felizmente, ainda não chegámos a tanto, mas existem negócios que vivem ou fora ou na margem da lei, sob o olhar distraído das autoridades, designadamente a Câmara Municipal que vai assobiando para o lado. Estou a falar do que habitualmente se designa pela “noite”, que inclui alguns bares e três discotecas. Qualquer pai ou mãe que tenha adolescentes com menos de 16 anos em casa, já os ouviu pedir para lá irem e muitos ouviram, espantados, histórias de miúdos com 14 ou menos anos levados para o hospital em coma alcoólico ou de cenas de pancadaria com miúdos de 15 ou menos anos agredidos por adultos sem que qualquer autoridade intervenha. Como aconteceu no sábado passado numa das discotecas referidas, maioritariamente frequentada por adolescentes, onde vários deles foram espancados sem que nenhum polícia fosse chamado ou tenha aparecido. A chatice é que se a polícia fosse chamada, ia verificar que uma data de adolescentes que lá estavam não tinha a idade legal e, às tantas, a discoteca tinha de fechar, não é? Pois.
Parece que o ex-autarca de Loures, aquele que deu grande escândalo quando defendeu essa ideia bizarra de que os ciganos do concelho deviam cumprir a lei ou ir para a cadeia se o não fizerem, quer formar um partido. É visível que, ao contrário de muitos, ele já aprendeu com Trump e Bolsonaro. Continuem a assobiar para o lado e depois espantem-se.