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Crónica: Debita nostra CCXXXIII

Luís Costa - 18/04/2024 - 9:37

“À medida que os cidadãos percebem a sua voz como inaudível, maior se torna a permeabilidade aos discursos populistas. À medida que os eleitores se veem alienados da influência sobre o panorama político, mais suscetíveis se tornam às narrativas redutoras, que, embora cativantes na sua simplicidade, envenenam o pluralismo democrático. Que incentivo resta a um cidadão em Portalegre - condenado a eleger dois deputados enquanto testemunha mais de 40% dos seus votos serem relegados ao esquecimento - para se manter interessado na política?” (M. Castello Branco, Público, P2, 07-04-24).
É bem possível que a notória má-relação da democracia com o fenómeno da globalização se deva a uma multiplicidade de fatores. E é também possível que, entre eles, se possa contabilizar o de uma incompatibilidade de valores, em que situaria o primado da redução dos preços sobre as condições de produção: 
Pelo que isso significa de amoral preferência por quem produza mais barato. Pelo seu ricochete nos “direitos adquiridos” das sociedades democráticas. Pela implausibilidade de que estas votem na degradação dos seus modos de vida. Pela improbabilidade de que os interesses assim estabelecidos fiquem indiferentes à consistência democrática ou prescindam de a minar, navegando a natural revolta contra tal degradação.
Não me parece é que, “à medida que os cidadãos percebem a sua voz como inaudível”, qualquer defesa da (já de si acautelada) democracia representativa possa passar pelo afunilamento do processo de representação. Sobretudo se este entrar numa espiral em que se fecha ao antissistema, fomentando-o, pelo acrescento da incapacidade de representação.
Num contexto em que facilmente se evocam os condicionamentos económicos internacionais. Como se um dos problemas das democracias não fosse precisamente este tolhimento do seu leque e poder de escolhas, “à medida que os eleitores se veem alienados da influência sobre o panorama político”. E como se nós próprios reagíssemos de igual forma perante aquilo que nos condiciona ou nos compraz.
Num contexto em que frequentemente se invoca o imperativo da governabilidade, como se este fosse absoluto e não o vulgar argumento das mais expeditas das ditaduras.
Num contexto em que a construída hegemonia do ‘culto da individualidade’ nos pode conduzir para uma lógica do “salve-se quem puder”, em que, oportunamente, se confunde toda a questão da representação democrática com a das garantias da ‘nossa’ própria representação. Como se não tivesse sido esta mesma atomização das sociedades que nos trouxe até ao “beco” da crescente pulverização das pertenças políticas e até à muita “saída” das redes sociais.
Ora, nestas circunstâncias, por se hão de os cidadãos “manter interessados na política”? E por que se não hão de amalgamar os muito diversos descontentamentos dos deserdados (não tão poucos quanto parecem) da representação política, quando veem “os seus votos serem relegados ao esquecimento”?!
Como alguém diria: é só fazer as contas!

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