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Crónica: Debita Nostra CCXXIII

Luís Costa - 30/11/2023 - 10:32

Não falo de conflitos como o que opõe Israel ao Hamas (...) ou a Ucrânia e a Federação Russa (...) e de mil e um conflitos de extrema violência que se estendem por todos os continentes, muitas vezes localizados em pequenas e médias áreas geográficas (...), onde por razões étnicas, comunitárias, religiosas, políticas e nacionais, os homens se matam uns aos outros com toda a naturalidade. (...) O que me interessa aqui tratar é do processo de radicalização em democracias, o que de imediato restringe as partes do mundo em causa àquilo a que chamamos de forma imperfeita “Ocidente”, Europa e América, principalmente EUA.” (Pacheco Pereira, PÚBLICO, 21-10-23).
Podemos sempre interrogarmo-nos sobre se esta instante sensação de mal-estar e de emergente conflitualidade, em tudo aquilo que nos rodeia, é algo de meramente conjuntural ou estrutural, localizado ou global. Já que não é, seguramente, recalcável...
As democracias, mais afeitas aos mecanismos políticos de distensão social, vivem, em geral, particulares momentos de perturbantes tensões, de cavadas divisões, de tribais enquistamentos e, mesmo que as seus argumentos possam variar, não é difícil detetar-lhes invocações comuns.
Seja a dos imigrantes, levada ou não ao extremo da chamada “Grande Substituição”, em que a hegemonia branca, cristã e europeia se pretende ameaçada pela imigração muçulmana e árabe, aliando nacionalismos, religiões e etnias. Seja a das tradicionais minorias, careando fatores étnicos e comunitários. Seja a das clivagens ‘domésticas’, chegadas ou não ao ponto de inconciliáveis projetos políticos e nacionais.
Questionando a “vantagem ética e prática” do pluralismo democrático ou comprometendo o “compromisso” em que assenta a “representação e a delicada arquitetura institucional” característicos da “sociedade liberal”. E destronando bem recentes e universais mitos como o do “Fim da História e o último Homem” (DEBITA NOSTRA CCXXI).
O que parece é que tais pretextos não serão, assim, tão distintos daqueles com que, noutros quadrantes, se vem hostilizando o ‘Ocidente’. Ou se vêm ateando “mil e um conflitos de extrema violência que se estendem por todos os continentes”.  E que, podendo não decorrer no culto da individualidade (perda do sentido gregário) com que nos confrontamos, potenciado ou espelhado e demonstrado pela pauta das redes sociais, podem ter um idêntico fundamento.
É que basta ativar um pouco a memória para nos apercebermos de como, entre nós, eles não têm nada de inédito. E que, abstraindo o breve período do pós-guerra, constituem a abrasiva tónica dominante, de um atento olhar sobre dois séculos que nos precederam.
E, também aí, na esteira de um outro mito, o da “paz perpétua” kantiana, que ao idealizar o comércio entre pares, ‘esquecia’ como as relações de poder o desvirtuam.
Nada que não tenhamos visto sob uma certa ideia liberal de globalização, para a qual toda esta conflitualidade social nada tem a ver com a economia.

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