Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Crónica: Debita Nostra CLXXIX

Costa Alves - 10/03/2022 - 10:24

As cidades gostam de festejar os números redondos dos anos que fazem. Festejam o dia consagrado e raramente fazem mais qualquer outra coisa. Mas, 250 anos de cidade, 500 de vila e outros mais de povoados até ao fundo dos tempos historicamente alcançáveis, conferem a Castelo Branco identidade, personalidade, densidade para se desenvolver e caminhar vida fora. Por força da memória e da densidade histórica e cultural que adquirir.
No entanto, só meses antes do dia celebrativo se lembrou de que tal iria acontecer e não se preparou. Acorda no dia aprazado içando fogos de artifício, serve discursos que enchem o peito de fervor retórico, apresenta um livro encomendado à última hora e elaborado noutra última hora e não o expõe para que seja conhecido. Cumprida a obrigação, acabam-se os parabéns e vira-se a página.
Ficam apenas a adejar alguns cartazes lembrando a efeméride que o vento do tempo levou. Um dos cartazes tapa a cara paternal que nos vigia e nos pode inspirar lá do alto da torre do antigo Palácio dos Comendadores no Castelo. Não foi amarrado, delicadamente, com fios de seda e devoção na histórica fachada. Não. Está há quase um ano com a cara tapada cravada por ferros que ferem a pedra secular.
Foi um ano assim, havendo tanto para pensar e conhecer sobre como foram estes 250 anos de vida e evolução da cidade. E para rever, repensar, escolher prioridades, agir, interagir, programar e realizar no território municipal. Sobre a relação da cidade com as aldeias e suas vidas carentes de sobrevivência. Sobre as atividades poluidoras e sobre o que podemos usufruir da albufeira de Santa Águeda/Marateca. Sobre o corte da estrada histórica de Malpica do Tejo para o rio; estrada que o Município não soube defender. Sobre os coretos abatidos que eram testemunhos de vivências de partilha pública ainda não há muito tempo. Sobre a requalificação do Bairro do Castelo com base num muito melhor conhecimento histórico da evolução da então vila-fortaleza medieval. Sobre a memória escassa e muito adulterada da presença judaica. Sobre o desgraçado chafariz de S. Marcos que teve projeto de dignificação em jardim e acabou substituído por um parque de estacionamento automóvel. Sobre os trabalhos arqueológicos sempre adiados no também simbólico Monte de São Martinho. Tanto para estudar e avaliar. E, se houve dificuldades com a Covid, que comece agora.
Na verdade, são raras as cidades que, em ano de celebrações em memória do seu passado, são capazes de pensar, com os cidadãos, os percursos de como vieram e chegaram e que caminhos se propõem tecer para que os vindouros os continuem e aprofundem. Esta cidade não tem um grande monumento, mas possui uma história e vários pequenos monumentos e atividades que geram cultura própria como seu património.
Uma cidade que se conheça pouco (e mal em certas áreas) está sempre a tempo de se celebrar alargando e aprofundando os horizontes de afirmação no seu interior e no país. Devia saber que escavações não fez no seu passado para que, fazendo-as, possa acrescentar substância ao seu património. Devia saber que investigações documentais não efetuou, corrigir as que fez mal e as que se constituíram como meras ficções. E devia suscitar a colaboração e partilha dos seus habitantes. Abrir-se abrindo criatividades. Sair da rotina em que se vai apagando. Mostrar-se, problematizar, dialogar, refletir com quem civicamente queira representar o espírito do lugar. Partir de si com imaginação para construir futuros.

mcosta.alves@gmail.com

COMENTÁRIOS