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Crónica: Debita Nostra CLXXVI

Luís Costa - 27/01/2022 - 10:27

A tese deste livro é que não podemos ultrapassar os problemas fundamentais que se deparam às nossas economias enquanto não abandonarmos esta visão tacanha. (…) A escala da reinvenção pede uma nova narrativa e um novo vocabulário para a nossa economia política, usando a ideia de objetivo público para guiar as políticas e a atividade empresarial.” (Mariana Mazzucato, 2021, Economia de Missão, pp. 33).
Não é difícil estabelecer um elo de ligação entre a ‘descoberta’ histórica do ‘individuo’, que promoveu a ‘libertação’ da economia das peias das “sociedades tradicionais”, e o atual e obsessivo ‘culto da individualidade’.  (Que, caricaturalmente, afronta as medidas de controlo sanitário e, hegemonicamente, ganhou setores politicamente adversos, para a primazia do ‘individual’ sobre o socialmente fraturante, Debita Nostra CLXXIV). 
Mais difícil será sustentar a sua ideia de que é da soma das avulsas iniciativas pessoais que há de resultar o benefício coletivo. 
É certo que o liberalismo sempre cuidou de varrer as sucessivas crises, e os decorrentes dramas sociais, para debaixo do tapete de um geral crescimento económico que ao estimular alguns pode chegar a muitos. Não é em incentivos que reside o problema! 
Ele está em pressupor que, deste modo, se completa o ciclo da nossa vida económica e social e que esta há de resultar da agregação desses projetos (interesses) particulares em desequilíbrio. E em se dar bem com o exclusivo, se não com o compulsivo de tão ‘injustiçante receita’, interpelando a democracia no que ela supõe de ‘opção’ dos cidadãos. Tanto mais quanto, ‘insociáveis’, lhes vai, assim, pedindo o sacrifício do inalienável presente em nome de um futuro alienígena. 
E é aqui que importa sublinhar que, floreada ou esbatida, esta tese é, ela própria, uma escolha. Desde logo por radicar na fundamental convicção da natureza individualista, egoísta e calculista do ser humano e na crença de uma “determinação pelo económico” que, com maior ou menor rigidez, vai beber à filosofia materialista.
Depois porque, da cega rejeição das “sociedades tradicionais” ao crescente esforço pela eliminação do societário, omite como a iniciativa humana é também ela mobilizável pelo reconhecimento do ‘grupo social’. Assim ele exista, como pôde existir durante milénios, ou persista na figura do Estado-nação. Se é que este, pela sua dimensão política/administrativa, não teve que ser depauperado, e então denegrido, em nome da ‘única’ pulsão criadora.
Depois ainda porque a célebre “mão invisível”, por procuração do tal somatório das ‘razões’ privadas, nos tem dado tanto de um prometido “equilíbrio social”, quanto do presente equilíbrio ecológico e climático. Só que desde muito mais cedo, num cruento lastro que quer fazer por esquecer.
Daí que ainda haja quem se lembre de que pode haver um “objetivo público para guiar as políticas e a atividade empresarial” (com provas dadas, de resto, na própria história de Portugal).

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