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Crónica: Debita Nostra CLXXVII

Luís Costa - 10/02/2022 - 9:47

“Entretanto, a desigualdade social passou a ser analisada como um entrave ao desenvolvimento económico, como demonstraram Joseph Stiglitz e Paul Krugman, que expuseram a apropriação crescente do rendimento por 1% da população nos últimos quarenta anos, que não beneficia o resto da população, contrariamente à ideologia liberal.” (Francisco Bethencourt, Público, 31-01-21).
O argumento de que sem a sua indispensável produção (crescimento) jamais a riqueza poderá ser distribuída é não só legítimo como lógico. Ele só se converte em (ideo)lógico quando, no apelo a uma certa forma de crescimento, invoca todos os países que “cresceram ou crescem mais do que nós”, sem o consequente corolário: ‘vejam como são exímios na distribuição’.
Muito provavelmente por falta de provas. Ou melhor, pela omissão de como, neste particular, a devotada “mão invisível” teve que ser substituída por “indecente e má figura”. A mesma com que historicamente suscitou perigosas concentrações de riqueza, a mesma com que fomenta a presente acumulação do rendimento, de insinuáveis consequências (Pikety).
Nomeadamente em termos da sobrevivência do próprio sistema democrático, tanto mais quanto tal tipo de crescimento pôde ser ‘aperfeiçoado’ pelas ditaduras do chamado capitalismo asiático. Não porque, em democracia, não persistam os beneficiários desta mesma produção de riqueza, que a hão de querer muito liberal. Mas pelos muitos que nela vêm saindo prejudicados da forma como (des)cuida a sua repartição. 
Quer os que nela têm vindo a perder qualidade de vida, e a esperança num progresso social para os filhos, em nome da sempre perscrutável elasticidade de quem produza mais barato, ou de uma definitiva hipoteca da prometida distribuição. Quer os que por ela têm vindo a romper com regimes ditatoriais, na expectativa das condições de vida com que um dia lhes acenou.
Todos os disponíveis para confluir com os que já vêm sugerindo a ‘superação’ política da democracia (Debita Nostra CLXXV). Agora, mesmo que veladamente, pelos instrumentos de resistência a um tal “crescimento” que, por definição, ela não pode deixar de oferecer. Num movimento que parece querer ressuscitar as defesas autocráticas com que o séc. XX começou por reagir aos desmandos sociais do liberalismo. Mas com uma significativa e conveniente diferença: agora o ‘iliberalismo’ político lá vai aparecendo de mão dada com o liberalismo económico.
E, contudo, ainda há quem tente “demonstrar” como a “desigualdade social” pode ser “um entrave ao desenvolvimento económico”. 
E acrescente que a melhor concorrência para a economia é a que lhe chega de cidadãos empenhados e de consumidores esclarecidos, que não a que resulta do irrefreável “dumping” nas suas condições sociais e de trabalho. E que as oligarquias, a começar pelas que se acastelaram no sistema financeiro, não lhe são de todo benéficas, quer pela pressão do imediato lucro, quer pelo diferimento dos custos em prejuízo de uma persistente eficiência (Fred Block, 2018).

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