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Crónica: Debita Nostra CLXXXVI

Luís Costa - 15/06/2022 - 10:12

"Mais uma vez o prisma das redes sociais estava a refletir as pessoas mais extremadas do espetro político e a silenciar os moderados, dois processos que se reforçam reciprocamente, encorajando os extremistas a exprimir convicções crescentemente radicais e desencantando os moderados – muitos dos quais hão de equivocadamente considerar tal extremismo como característico dos do outro lado, como vimos ao longo deste livro.” (Tradução livre de Chris Bail, “Breaking de Social Media Prism”, 2021, pp. 119 – 120). 
Ao contrário das alterações climáticas e da depredação dos recursos naturais, (numa vertigem pelo “crescimento” que é a mais recente configuração do eterno mito do “desafio dos deuses”), os riscos da transição digital não se nos afiguram particularmente ameaçadores.
E, contudo, também eles, a coberto de um irrecusável progresso, nos foram abusivamente transformando numa passiva, mas rentável, mercadoria (banco de dados) e em matéria-prima habilmente modelável em muita das suas predisposições, perceções ou ainda decisões políticas (DEBITA NOSTRA CLXXXV).
É certo que o fazem salvaguardando ‘opções’ pessoais, sempre escudadas no caldo de cultura que consagrou a ‘individualidade’ como sede da máxima fruição e reduto último do intangível, legitimando a descontração dos que (com tal) “pouco se importam” ou “nada têm a esconder”.
Mas ganhando-nos para a ideologia que, a propósito da liberação dos constrangimentos do grupo, nos quebrou defesas e nos amarrou a nós próprios, suficientemente envaidecidos na figura de ‘rei-momo’ para nos podermos perceber como o “rei-que-vai-nu”. 
A mesma que, a pretexto do sucesso de outras dívidas, nos desobrigou da consciência de uma “dívida primordial”. A que, ao ver-nos nascer tão indefesos, as sociedades tradicionais entendiam manter para com a divindade, a natureza e o grupo social. 
E que, a título de democracia (poder do povo), o cambiou por um molhe de ‘indivíduos’, endossando ao populismo não só o que os possa iludir com “pão e circo”, mas também tudo o que sugira uma outra economia que a “que mata”. Içada a “cidade proibida” dos habilitados herdeiros do “realismo”, ao “último grito” do que a humanidade alguma vez poderia ter inventado. Como convém ao mais elementar determinismo.
E, contudo, falando de “pão e circo”, e do reminiscente sentido gregário, que é feito das suas ululantes multidões?  Podem bem ter trocado a plateia pelo ‘letrado’ desafio de outras ‘metas’. Não-lugar desigual, mas privilegiado, para a atuação ou diversão, a solo, se é que não para o agressivo escape de quem “pouco se importa” ou “nada tem a esconder”. 
Sem que, por isso, deixe de contribuir para o ‘peditório’ das mais lucrativas empresas digitais. Num desempenho que dificilmente poderia ficar aquém ou além do populismo, se o termo não estivesse já cativo de mais ‘conceituadas’ classificações.
Denunciando como esta democracia, de que se fala, até pode ser anémica, desde que garantidamente subsidiária de vangloriáveis empreendimentos.

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