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Crónica: Debita Nostra CLXXXVII

Luís Costa - 30/06/2022 - 9:38

"Sabemos que a forma determinada como a Polónia apoiou a Ucrânia e suportou o custo maior do acolhimento dos refugiados melhorou a sua imagem aos olhos dos europeus. Sabemos também que manter Varsóvia alinhada com Bruxelas é um trunfo contra as tentações antieuropeias da Hungria ou da Eslováquia. Mas nem o estatuto de pequena potência da Polónia nem o seu empenho no combate contra o imperialismo russo podem ser premiados com a renúncia a princípios e valores.” (PÚBLICO, Editorial, 09-6-22).
Dificilmente se pode conceber a existência de um Direito Internacional (DI) que acolha princípios como o do benefício do infrator ou justifique qualquer ato de violência que vá para além de uma preventiva ou reflexiva legítima defesa.
E, contudo, todos sabemos, do Direito, a sua diferente capacidade sancionatória e de como esta não erradica a infração. E como o DI está muito longe de uma tal lisura que sequer disfarce a preponderância que, no trato internacional, mantêm as efetivas relações de poder. Porquê, então, não concluir da respetiva irrelevância ou inutilidade? 
Porque, apesar de tudo, ele existe e, na sua relativa eficácia, foi ganhando uma incontornável materialidade. Mas, sobretudo, porque, com tal impacto, foi concretizando um dos mais esforçados propósitos da nossa luta pela sobrevivência: o de condicionar com contratadas regras a espontânea “lei do mais forte”.
Reconduzindo, assim, temas, como o da presente agressão e destruição da Ucrânia, ao debate ético, de onde, com mais ou menos retórica, já ninguém o pode retirar. A saber: serão todos os atos humanos portadores de uma indescartável carga moral, ou esta apenas lhes advém da posição (regateada legitimidade) de quem os pratica?
Não faltarão abundantes argumentos sobre a detetável hipocrisia de quem, usando de dois pesos e duas medidas, intermitentemente se escuda no DI. E sobre como tal uso tem sido prática corrente desde os traumas coloniais à mais recente ‘indiferença’ liberal pelos direitos de quem produz barato. 
Pode, em conformidade, destacar-se o papel da incipiente democracia na contraditória reafirmação de tão primitiva “lei” (quando o ‘liberalismo’ proclamou uma liberdade abstrata que apenas servia a quem já tinha “força” para a usar). Culminando na mais devastadora violência que o nosso contexto geopolítico alguma vez conheceu: a “Questão Social”.
Pode até acreditar-se que, da legitimidade das suas mutantes vítimas, se pode extrapolar a respetiva capacidade para, no uso da mesma “lei”, configurar uma preferível (mas inverosímil e pouco dialética) ordem social. 
Em termos éticos, será sempre um retrocesso. O de nivelar por baixo numa rasoira em que as partes litigantes se equivalem, até no velado menosprezo do secular esforço por um maior equilíbrio entre “forças” contratantes, no contrato social que era suposto ser o da democracia.
E é por isso que, tanto na Ucrânia como na Polónia, se trata exatamente da mesma luta.

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