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Leitores: Abraço a Carlos Semedo e apelo ao poder local

João Pedro Delgado - 29/02/2024 - 8:00

Os linchamentos públicos em jornais e redes sociais continuam. 

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Os linchamentos públicos em jornais e redes sociais continuam. Sempre todos calamos, porque sabemos que têm origem errática e imponderada, e porque não é útil alimentar assuntos de devassa pública, espalhando a lama que nos é alheia, para mais em português indigente. Mas desta vez foi-se longe demais, pelo que já é tempo de alguém levantar a cara e assumir com honradez e integridade que é intolerável continuarmos a viver sob ameaça do próximo enxovalho público, com a livre opinião condicionada aos subsequentes desvarios das raivas e ódios privados, ao sabor de variações de humor patológicas, assistindo ao violento abandono da dignidade e da educação, bem como à lenta destruição das instituições da cidade. É nosso dever de cidadania levantar a voz, com justiça e brio.

Carlos Semedo é uma pessoa ímpar, de irrepreensíveis padrões morais e éticos, dotado de uma invulgar capacidade nata de empatia. Não se lhe conhece uma palavra de despeito em relação a ninguém, uma expressão de maledicência, em privado ou em público, até para aqueles com que possivelmente discorda; nunca deixou de manter uma elegância e elevação morais na discussão de ideias, de projectos e de opiniões, e sempre demonstrou uma enorme sensibilidade e respeito pelas diferentes posições dos outros; sempre se pautou por gestos construtivos, pela sedimentação de pontes, por actos e palavras de calor e tolerância. Merece toda a nossa admiração e respeito, toda a amizade da comunidade, e não merece o ataque soez que lhe foi feito.

Para além das suas qualidades éticas e humanas, é, arrisco dizer, juntamente com Américo Rodrigues, a pessoa mais importante para o desenvolvimento cultural do interior do nosso país nos últimos trinta anos. O seu trabalho abnegado, com elevados sacrifícios pessoais, trouxe a Castelo Branco, à região, a Portugal, primeiro o Festival Primavera Musical - que colocava a nossa cidade sob o foco dos olhares europeus mais cosmopolitas e relevantes -, e, mais tarde, uma verdadeira política cultural, ramificada e estratificada em diversos níveis, que se constituiu como o mais relevante exemplo de uma programação cultural abrangente, inclusiva, sem ceder na exigência de qualidade. A Cultura Vibra, com a sua estrutura de programação exemplar, com a sua preocupação de construção de novos horizontes, com a sua atenção simultânea ao território e ao mundo, com a sua agenda trimestral, foi um exemplo de gestão cultural para todo o país, para a península ibérica. O pensamento cultural de Carlos Semedo, a sua incomparável capacidade de transformar esse pensamento em acção, a sua incansável dedicação ao desenvolvimento cultural dos seus concidadãos, colocaram, a certa altura, Castelo Branco à frente de Lisboa, de Évora, do Porto, de Braga, de Aveiro, de Viseu, de Salamanca, de Zamora, de Badajoz, de Faro, e de tantos outros grandes e médios centros ibéricos. Os artistas nacionais e internacionais afirmavam em fóruns culturais de alto prestígio que tinham a alegria e o orgulho de ter participado na Cultura Vibra, faziam correr a palavra e a mensagem da inédita dinâmica que estava a acontecer em Castelo Branco, faziam saber em todos os centros de relevo as coisas extraordinárias que se passavam em Castelo Branco. Carlos Semedo mostrou ao país que era possível criar valor no interior através da cultura; criar valor, criar riqueza, criar conhecimento, criar auto-estima, através da aposta na qualidade, nas pessoas, mesmo com meios modestos.

Este trabalho de Carlos Semedo, insisto, é reconhecido em todos os cantos do país, e quem tenha o mínimo de mundo e o mínimo de interesse em conhecer algo mais para além da simples espuma dos dias intramuros do burgo sabe-o. E sabe também que o modelo de Castelo Branco foi depois utilizado como referência e replicado noutros municípios, noutras cidades grandes, médias e pequenas do país e da península ibérica.

O seu trabalho tem deixado um conhecimento acumulado, tem deixado um lastro de qualidade, cultura e humanismo, que vulgarmente se chama de civilização. E quem não compreender naturalmente o que é esta civilização, difícil será explicar-lho.

A fronteira entre a construção de um bom trabalho e a destruição do mesmo é muito ténue. Tão ténue quanto a fronteira entre civilização e barbárie. A dignidade das pessoas e instituições da cidade não pode ficar refém do medo de ser destratada quando esta ou aquela pessoa acorda mal-disposta. O desenvolvimento da cidade e o trabalho das pessoas competentes em prol da região não podem ficar sob o jugo de desmandos e de variações de humor.

Pessoas como Carlos Semedo são raras, e têm de ser acarinhadas, porque a região precisa desesperadamente delas. Não podem estar sujeitas à humilhação pública e ao ataque impune.

Por isso apelo a quem tem poder para tal que trave estes acessos vingativos e destrutivos. Não é uma questão política, sequer pessoal, é uma questão de cidadania, dignidade e de interesse colectivo. Se esta deriva de agressividade pessoal, de ataques gratuitos a roçar a boçalidade, de constante devassa pública, não se travar, se os seus autores não forem travados, corremos o risco de que as pessoas boas e competentes que constroem a comunidade se afastem, e de ficarmos só com as que gritam, com as que destroem, e com a correspondente e inevitável degradação da sociedade e das instituições.

João Pedro Delgado

COMENTÁRIOS

Luisa Campos
Mês passado
Professor Pedro Delgado, Parabéns por apelar ao bom senso e fazer do Seu o Nosso Abraço ao Professor Semedo.
Castelo Branco não conseguiu apoio porque o responsável pelo Cineteatro não foi capaz de apresentar uma candidatura que merecesse aprovação. Ora então, que faz?! Atira pedras ao Senhor Professor Semedo que sofreu um AVC e está em recuperação há 4 ou 5 meses.
Professor Fernando, tenha modos, tenha educação, tenha respeito e assuma que quem falhou a candidatura foi o Senhor.
Não se desculpe com não ter uma password ... num minuto se cria outra. Cresça por favor! Só assim pode ser respeitado. Admita que a instituição que "gere" ou "desfaz" foi incapaz de fazer o trabalho. Não culpe quem está doente e é um Mestre em Programação Cultural. Assuma antes a sua responsabilidade, com humildade. Bem Haja.