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Digressões Interiores: Perdeu-se o mês de setembro...

João Lourenço Roque - 25/01/2024 - 9:52

Gostava muito do mês de Setembro. Havia tempo para tudo. Continuávamos nas férias grandes até Outubro.

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Gostava muito do mês de Setembro. Havia tempo para tudo. Continuávamos nas férias grandes até Outubro. As aulas, os cadernos e os livros bem podiam esperar. Havia festas (a maior em Santo André das Tojeiras), feiras e romarias. Colhíamos e pisávamos as uvas, agrupados e ruidosos no trabalho e à mesa. Íamos a banhos no mar ou no rio. Voltávamos às praias de outras tardes e repetíamos ou renovávamos os amores de Agosto. Guardávamos as últimas fotografias. Apascentávamos os rebanhos nos largadouros. Se chovia, corríamos na chuva bendita e no cheiro a terra molhada. Gostava muito do “meu Setembro”, mais ainda do “nosso Setembro”. Mês lindo e diferente, misturado na mistura de várias tonalidades, ainda verão e já outono. Mês que continua no calendário, mas retirado da vida de outrora, escondido nas recordações e nas saudades de outros tempos e gerações. Tiraram-nos Setembro, em parte antecipado para Agosto, em parte transformado em Outubro. Não entendo - nunca entenderei - as pessoas que apressam e diminuem a vida. Bons exemplos nos chegam de longe e de fora. Torno à “carta de apresentação” da nova dona da antiga propriedade da “família Ferreiro” - a gentil vizinha Victoria, que se deu ao cuidado e ao trabalho de escrever em português, valendo-se do “Google Tradutor”. De boa fé e com muito respeito, atrevo-me a revelar esta passagem: “A minha intenção é restaurar a quinta em estilo tradicional, lentamente ao longo dos próximos anos e espero reformar-me aqui. Eu tenho apenas 41 anos agora, então isso vai demorar um pouco ainda! Por enquanto, estarei apenas visitando algumas vezes por ano.” Fico a pensar - que pena aqueles que aqui nasceram e cresceram não aprenderem estas e outras lições e sabedorias! Mesmo sem a conhecer pessoalmente - só uma vez a terei avistado - aqui deixo uma palavra de grande apreço e os melhores votos para a Victoria e sua família. Em Outubro e em Maio - para não dizer o ano todo - sempre me cruzo e descruzo com peregrinos de Fátima. A 9 de Maio do ano corrente, de viagem para Coimbra, passei por dois grupos numerosos e alongados. Um, ainda no Cabeço do Infante, o outro já na Fróia, perto da Sobreira Formosa. Reduzi a velocidade, lancei acenos e olhares. Olhei, olhei, e pareceu-me que ias lá, mesmo sabendo que não ias...Interrogo-me sobre a fé e a alegria que os move e encaminha. Também eu lá devo aquela promessa que tardo em cumprir...

À chegada do Outono, logo desapareceu, rasteira e amarelecida, a horta verdejante do Vale dos Cavalos que tantos cuidados e bons frutos me deu. Para consumo e prazeres próprios, mas também para inúmeras e diversas ofertas. Dei largas dezenas de melancias, quase sempre muito gabadas. Gosto de dar, sobretudo a pessoas que bem aceitam, sem delongas e rodeios. Que seria de mim sem aquela horta...tantos dias ali passados, tantas lembranças por companhia! Ainda vem longe, mas já me desejo e imagino distraído nas pressas e nos vagares do próximo verão. A cuidar de mim e da nova horta, lado a lado com as saudades e as mágoas de ontem e de amanhã. De ano para ano, mais me pesa e deprime a melancolia outonal...Melancolia que nasce nos olhos e cresce na alma, melancolia tão funda e alagada!

Sempre que viajo para Coimbra, faço paragem no restaurante “O Pastor”, próximo do rio Cabra que corre para o rio Dueça. Mais que hábito, um ritual quase sagrado. Pausa breve, alguns minutos de meditação e encantamento, sentado na ampla esplanada. Entram e saem mulheres que pôem outra beleza na beleza das paisagens circundantes. Demoro-me o mais possível no pastel de nata, no café e no cigarro, na contemplação da Serra do Espinhal. Mais me demoro na lembrança de tantos episódios, cenas e imagens da minha vida, em incontáveis e inesquecíveis passeios e descobertas por terras e castelos de Penela. Nunca mais subimos ao Germanelo e às histórias ali vividas ou encenadas. Novelas ou romances incompletos, inacabados, que dariam um belo filme...Conversas e silêncios. Cheiros a pastoras e ervas de Santa Maria. Amores e desejos em segredo. Flautas, cânticos e danças. Músicas e tristezas de ficar triste, no sol poente. Deixo “O Pastor”, onde me identificam como “o senhor de Castelo Branco” e onde, a 16 de Setembro, tive a grata surpresa de encontrar “gente nossa” - gente bonita, alegre e simpática -, do Rancho dos Escalos de Cima. Retomo a viagem pela A13, acelero na velocidade e no desejo de chegar a casa. Visitas semanais, estadias breves ou alongadas; sorrisos e abraços desejados; tardes boas, iguais e diferentes. Visitas a partir de Castelo Branco, aonde sempre volto até voltar...Não sei o que me prende aos teus olhos ausentes e às terras da Idanha. Torno aos sons e às vozes de Monsanto: “Quem tem o nome de mãe/ nunca passa sem cantar/ quantas vezes ma mãe canta/ com vontade de chorar...”

 

João Lourenço Roque

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