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Exortação: Papa escreve sobre a "Querida Amazónia"

Reconquista - 20/02/2020 - 9:37

Papa Francisco diz que sonha com uma Amazónia "que lute pelos direitos dos mais pobres". Leia o essencial da exortação.

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Deste documento do Papa Francisco, extraímos: 
“Ao mesmo tempo, quero apresentar de maneira oficial o citado Documento, que nos oferece as conclusões do Sínodo e no qual colaboraram muitas pessoas que conhecem melhor do que eu e do que a Cúria Romana a problemática da Amazónia, porque vivem lá, por ela sofrem e a amam apaixonadamente. Nesta Exortação, preferi não citar o Documento, convidando a lê-lo integralmente.
A Amazónia é um todo plurinacional interligado, um grande bioma partilhado por nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Perú, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa. Todavia dirijo esta Exortação ao mundo inteiro. Faço-o, por um lado, para ajudar a despertar a estima e solicitude por esta terra, que também é «nossa», convidando-o a admirá-la e reconhecê-la como um mistério sagrado; e, por outro, porque a atenção da Igreja às problemáticas deste território obriga-nos a retomar brevemente algumas questões que não devemos esquecer e que podem servir de inspiração para outras regiões da terra enfrentarem os seus próprios desafios.
Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.
Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a carateriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.
Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.
Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos.

UM SONHO SOCIAL

O nosso é o sonho duma Amazónia que integre e promova todos os seus habitantes, para poderem consolidar o «bem viver». Mas impõe-se um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres. Pois, apesar do desastre ecológico que a Amazónia está a enfrentar, deve-se notar que «uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres». Não serve um conservacionismo «que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazónicos».
Às operações económicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazónia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido:injustiça e crime. Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos terrenos, chegando a privatizar a própria água potável, ou quando as autoridades deixam mão livre a madeireiros, a projetos minerários ou petrolíferos e outras atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformam-se indevidamente as relações económicas e tornam-se um instrumento que mata. É usual lançar mão de recursos desprovidos de qualquer ética, como penalizar os protestos e mesmo tirar a vida aos indígenas que se oponham aos projetos, provocar intencionalmente incêndios florestais, ou subornar políticos e os próprios nativos. A acompanhar tudo isto, temos graves violações dos direitos humanos e novas escravidões que atingem especialmente as mulheres, a praga do narcotráfico que procura submeter os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se aproveita daqueles que foram expulsos de seu contexto cultural. Não podemos permitir que a globalização se transforme num «novo tipo de colonialismo».
Ao mesmo tempo que nos deixamos tomar por uma sã indignação, lembremo-nos de que sempre é possível superar as diferentes mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e desenvolvimento: «o desafio é assegurar uma globalização na solidariedade, uma globalização sem marginalização». 
Podem-se encontrar alternativas de pecuária e agricultura sustentáveis, de energias que não poluem, de fontes dignas de trabalho que não impliquem a destruição do meio ambiente e das culturas. Simultaneamente é preciso garantir, para os indígenas e os mais pobres, uma educação adequada que desenvolva as suas capacidades e empoderamento. É precisamente nestes objetivos que se mede a verdadeira solércia e a genuína capacidade dos políticos. Não servirá para devolver aos mortos a vida que lhes foi negada, nem para compensar os sobreviventes daqueles massacres, mas ao menos para hoje sermos todos realmente humanos.


UM SONHO ECOLÓGICO

Se o cuidado das pessoas e o cuidado dos ecossistemas são inseparáveis, isto torna-se particularmente significativo lá onde «a floresta não é um recurso para explorar, é um ser ou vários seres com os quais se relacionar». A sabedoria dos povos nativos da Amazónia «inspira o cuidado e o respeito pela criação, com clara consciência dos seus limites, proibindo o seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro». Os indígenas, «quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuidam»,desde que não se deixem enredar pelos cantos das sereias e pelas ofertas interesseiras de grupos de poder. Os danos à natureza preocupam-nos, de maneira muito direta e palpável, porque – dizem eles – «somos água, ar, terra e vida do meio ambiente criado por Deus. Por conseguinte, pedimos que cessem os maus-tratos e o extermínio da “Mãe Terra”. A terra tem sangue e está sangrando, as multinacionais cortaram as veias da nossa “Mãe Terra”».
Não basta prestar atenção à preservação das espécies mais visíveis em risco de extinção. É crucial ter em conta que, «para o bom funcionamento dos ecossistemas, também são necessários os fungos, as algas, os vermes, os pequenos insetos, os répteis e a variedade inumerável de micro-organismos. Algumas espécies pouco numerosas, que habitualmente nos passam despercebidas, desempenham uma função censória fundamental para estabelecer o equilíbrio dum lugar». E isto facilmente se ignora na avaliação do impacto ambiental dos projetos económicos de indústrias extrativas, energéticas, madeireiras e outras que destroem e poluem. Além disso a água, que abunda na Amazónia, é um bem essencial para a sobrevivência humana, mas as fontes de poluição vão aumentando cada vez mais”.

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