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Leitores: De onde era Amália Rodrigues?

José Barata de Castilho - 30/07/2020 - 10:56

A tristeza que conseguiu transformar em arte, vem da sua infância e origens, das dificuldades que passou e que os seus fados tão bem transmitem. Uma mulher beiroa, que ela própria considerava ser a origem da sua arte.

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Amália Rodrigues, artista de alto nível, que elevou o fado à categoria de música de qualidade superior, cantora que comparo a Maria Callas na Casta Diva, pessoa muito sensível, inteligente e genuína, que gostava de gente sincera e simples (“Eu tenho uma predilecção pelas pessoas que são simples, naturais e autênticas”[1]), que tanto cantava em palcos da maior importância internacional assim como nos mais modestos de zonas de interior (“Tenho cantado dos piores aos melhores palcos do mundo e com as melhores orquestras” [2]), é hoje de todas as terras, todos a querem.

Mas nem sempre assim foi e ela sofreu com isso: “Quando eu comecei a cantar fado, a minha família, que foi pelintra toda a vida, deixou de falar para mim e para a minha mãe. “[3] E ficou muito decepcionada quando tinha 20 anos, foi ao Fundão e se viu muito mal recebida pela fina flor da terra, segundo me informei em artigo muito recente escrito pelo actual Pároco daquela cidade.

A tristeza que conseguiu transformar em arte, vem da sua infância e origens, das dificuldades que passou e que os seus fados tão bem transmitem.

Uma mulher beiroa, que ela própria considerava ser a origem da sua arte: “…de tal maneira que me disseram que eu cantava o fado à espanhola. Ora eu nunca tinha conhecido espanhol, tanto mais que o fado não é cantado em Espanha. Suponho que a minha maneira de cantar é uma coisa que me sai da marca do sangue por ter família da Beira Baixa. O folclore da Beira Baixa tem muito daquelas formas mouriscas que o mestre Frederico de Freitas disse que eu trouxe para o fado.”[4]

Os importantes artigos sobre a genealogia de Amália que o Dr. António da Graça Pereira publicou neste jornal em 2012 levam-nos a deduzir que ela deve ser prima afastada de muita gente do Distrito de Castelo Branco. Descobriu ele, neste ano de 2020, que eu sou primo dela em décimo grau de consanguinidade (pelo antigo método canónico) do lado do pai dela, natural de Castelo Branco e descendente de pessoas das Sarzedas, do séc. XVII e da minha mãe, descendente de gente das Benquerenças, com origens nas Sarzedas.

Eu próprio, partindo da informação dele, levei a pesquisa mais para trás nos Escalos de Baixo e encontrei ligações pelos Morujos à minha avó paterna. Se outros fizerem igual, vão encontrar resultados semelhantes.

É que a família paterna de Amália abrangia muitas freguesias do concelho de Castelo Branco, onde nasceu Albertino Rodrigues, o pai, e do lado da mãe, para lá da Gardunha, muitas do concelho do Fundão. Estive a pesquisar nesses artigos as freguesias neles mencionadas e encontrei no nosso concelho (sublinho os casos de maior frequência) e temos: Sarzedas , Taberna Seca, Castelo Branco , Escalos de Baixo, Alcains, Palvarinho, Lardosa, Lousa, Almaceda, Salgueiro do Campo, Escalos de Cima, Monforte da Beira, Freixial do Campo e outras já fora mas para cá da Serra, como Oledo e Vale de Prazeres.

Nos Escalos de Baixo encontrei um António Gonçalves, natural de Aldeia Nova, termo de Castelo Bom, bispado de Lamego, que veio casar com Maria Gonçalves Morujo, cerca de 1677.

A família da mãe era do concelho do Fundão. O avô paterno era do Souto da Casa e a avó de Alcaria. A família do avô paterno, correeiro da Lardosa, mudou-se de Castelo Branco para o Fundão, onde o pai continuou a profissão de sapateiro, seleiro ou correeiro. As freguesias que encontrei nos referidos artigos foram: Souto da Casa, Alcaria, Alcaide, Aldeia Nova do Cabo, Alcongosta, Dominguiso, Bogas de Baixo e Barco. As duas primeiras aparecem com uma frequência elevada, são particamente as suas origens do lado de lá da Serra. Mas aparece também Medelim.

Também teve antepassados em Pampilhosa da Serra, e Cabril, freguesia desse concelho, mas também Sarzeda , Taberna das Arnas, Vilarinho e Naves do bispado de Lamego, Castelo de Vide, Covilhã e Barco.

De onde é Amália? Segundo ela própria[5], “O meu pai não era do Fundão, era de Castelo Branco... É um nome mais bonito que Fundão... Fundão afunda-se logo. Era seleiro e sapateiro, mas gostava era de tocar cornetim.... O meu pai a tocar era como eu a cantar. Não tocava nada de que não gostasse muito. E fechava os olhos... Mas a Amália nasceu em Lisboa... Em 1929 nem sei o mês. Na Rua Martim Vaz que é perto da Calçada de Santana. Na freguesia da Pena. Sou Amália da Piedade e nasci na freguesia da Pena... Coitadinha de mim não é? ... Estive praticamente nove anos sem ver a minha mãe. Só fui lá uma vez, tinha uns cinco anos. A minha mãe sonhou que eu tinha morrido. Estava muito mal no hospital e eu tive que ir lá... Chegou a fazer a primária? Sim fui para a primária com nove anos e meio e porque um dos meus tios, que achava que eu era esperta, convenceu a minha avó. Já tinha passado a data das inscrições, mas uma contínua meteu uma cunha. Eu tinha muitas doenças de brônquios, estava quase sempre na cama com papas de linhaça, com ventosas, com tudo. Chegava à escola e a professora mandava-me embora. Só que eu não me queria ir embora. Queria estar na escola... Gostava muito de ir para a escola, gostava muito da professora e ela gostava muito de mim. Passei sempre, sempre com vinte valores. E não tinha livros... Viveu muito tempo afastada dos seus pais e numa fase importantíssima para uma criança. Foi uma época má da sua vida? Não. O sofrimento foi mais quando veio a minha mãe. Tinha os meus 14 anos. Quando veio a minha mãe e os meus irmãos, eu queria estar em casa dos meus pais, porque lá havia gente, e na da minha avó só havia o meu avô. A minha avó ficou triste. Como os meus irmãos trabalhavam (quer dizer, um trabalhava e outro era um bocado maluco mas era bom rapaz, eu gostava muito dele, foi boxeur), eu é que tomava conta da casa. Sabia fazer tudo, lavar e passar.”

Aí está um resumo da história da sua infância e onde nasceu, com palavras suas.

Porém esta versão não era confirmada por genealogistas, incluindo o Dr. António da Graça Pereira que escreveu aqui nos citados artigos que ela nasceu algures no concelho do Fundão uns 5 anos antes de 1920, ano oficial.

Noutro lado li que nasceu no Fundão, foi ao colo da mãe a Lisboa, para ver o pai (avô de Amália) que estava preso no Limoeiro, suspeito de um crime que viria a confirmar-se ser falso. E diz que ela teria uns 5 a 6 anos de idade nessa altura e que a deixou com os avós, que a criaram (João Trigueiros[6]) e que não foi registada logo mas sim em 1920, com invenção de data para não pagarem multa. No mesmo local diz MTavares, "Eu sempre ouvi dizer a pessoas que a conheceram que ela teria nascido cerca de 1916...que era da idade de uma pessoa que a conheceu do tempo em que ela trabalhava no mercado da ribeira."

Deste modo, face a sistemáticas discordâncias, estava ansioso por ver o registo de baptismo de Amália, convencido que ela tinha ido já baptizada para Lisboa. E que aí estaria toda a verdade, como era habitual nestes registos. Para não ir ao Fundão em época de pandemia, pedi a uma prima de lá, que frequenta muito a igreja, que falasse com o padre para ver se encontravam o assento. Quando vi cópia do documento que aqui reproduzo e recentemente comentado neste jornal, foi um balde de água fria. Reproduz o que estava no Registo Civil (a naturalidade do pai dela até está ali errada, ele não era do Fundão, mas foi para lá de pequeno).

No entanto este documento tem importantes consequências. Amália disse que só foi uma vez ao Fundão tinha 5 anos. Provavelmente nasceu mesmo em 1916 no concelho do Fundão mas foi baptizada com essa idade, quando lá foi. Que ela tenha omitido isso compreende-se: o Fundão só tinha para ela más recordações de infância (como se pode ver lendo completamente os artigos citados, que têm outros aspectos curiosos), a nossa terra é aquela em que vivemos a infância ela viveu-a em Lisboa, considerava ser lisboeta, mas sem renegar as suas raízes beiroas e a importância que tiveram na sua vida e arte. Quanto ao dia de nascimento deve ser mesmo o que comemorava, 1 de Julho (de 1916?). Foi o dia que lhe disseram que tinha nascido e nenhuma mãe se esquece dessa data. Termino com uma frase dela que vem no citado Jornal Luso:

Você não encontra definição para Amália. Amália foi um milagre, é o destino, é o fado.

(*) Professor Catedrático Aposentado e Pintor. Por opção, o autor usa a ortografia anterior ao AO90

 

[1] Entrevista de António Marrucho, Luso Jornal, https://lusojornal.com/cantarei-ate-que-a-voz-me-doa-uma-das-frases-miticas-da-mitica-amalia-rodrigues/, 6-10-2019

[2] António Marrucho, idem

[3] António Marrucho, idem

[4] António Marrucho, idem

[5] Portal do Fado. “Amália – a derradeira entrevista”, http://www.portaldofado.net/content/view/4151/385/lang,pt/

[6] https://geneall.net/pt/forum/143592/amalia-rodrigues-costados/

COMENTÁRIOS

José Filipe Duarte Gonçalves
à muito tempo atrás
Qual a data do Assento do Baptismo da Amália ,que diz ter adquirido através do pároco desta diocese...Veja l´bem nesse assento nr.58,que diz que Amália foi baptizada em 06/07/1921...e diz também que Amália nasceu em 23/071920,na freguesia da Pena - Lisboa... Peço que não tirem conclusões precipitadas,e não magoem mais a memória da Amália da Piedade Rodrigues...Tenham dó!!!Obrigado.
Hugo
à muito tempo atrás
Amália rodrigues cresceu na rua Marquês de Pombal, Fundão. talvez no número 30, onde existia uma casa de taipa, com uma varanda, agora já caída.
A família Rebordão, do Fundão, são primos de Amália Rodrigues .