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Leitores: Um Negócio das Arábias

Fernando Manuel Raposo - 14/03/2024 - 8:14

À medida que o tempo passa, reforço em mim a convicção de que a criação do “Movimento Sempre” foi sobretudo a sua derradeira oportunidade para continuar a assegurar e a acomodar os interesses instalados.

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À medida que o tempo passa, reforço em mim a convicção de que a criação do “Movimento Sempre”, por Luís Correia, para além de um ato de vingança contra o Partido Socialista, por lhe ter retirado a confiança política, na sequência da sua perda de mandato, confirmada pelo Tribunal Constitucional, foi sobretudo a sua derradeira oportunidade para continuar a assegurar e a acomodar os interesses instalados.

A Luís Correia, não se lhe conhece emprego obtido por concurso.

Constava-se, à época, que seria diretor do bingo, que ficava nas catacumbas do prédio, onde está hoje situado o Pingo Doce, na Avenida 1.º de Maio.

Julgava-se ser a independência do clube da terra. Era a sua grande aposta. Viriam apostadores de todo o lado e os chárteres da Ásia, não deixariam de voar, ora para cá ora para lá.

Mas foi “sol de pouca dura”.

A coisa faliu tempos depois e Luís Correia ficou sem emprego.

Valeu-lhe Joaquim Morão, presidente do município de Idanha-a-Nova, que o levar pela mão e lhe arranjara emprego na vila.

Ficou por lá algum tempo, regressando mais tarde, integrado na lista com que Morão se candidatou à Câmara Municipal de Castelo Branco, em 1997. A vitória muito folgada e Joaquim Morão “arrebanhou” vereadores, em barda. Luís Correia mantivera-se sempre ao lado de Joaquim Morão e, em 2013, ano em que este atingiu o limite de mandatos, propôs aquele como candidato à câmara, pelo Partido Socialista.

Confesso que fiquei surpreso! Ao longo do tempo em que acompanhei Joaquim Morão, na Assembleia Municipal, raramente ouvi ao candidato proposto uma opinião ou uma reflexão crítica sobre qualquer assunto. Julgo que, entre todos os membros do executivo, de todos os mandatos, era talvez o mais reservado e submisso.

Durante aquele período, fora tudo o que Joaquim Morão quis que fosse.

Diz-se que sempre tivera jeito para o negócio e eu não duvido.

Estou em crer que a sua pulsão para o negócio, que julgo incompatível com o servir da “Causa Púbica”, está na origem daquilo com que ele tentou justificar “as suas falhas”, no seu exercício de funções públicas e que o levaram à perda de mandato: “Um lapso evidente e ostensivo”.

É sobre a tensão entre a sua pulsão para os negócios e o exercício de funções públicas, que proponho aos leitores que me acompanhem no raciocínio sobre o que passo a descrever.

Na última década de 90 e princípios da década de 2000, era já conhecida a intenção de a Rede Elétrica Nacional (REN) construir uma subestação em Castelo Branco, mais concretamente na zona onde hoje se encontra instalada. O plano de desenvolvimento e investimento da rede de transportes (Pdirt) daquela época previa a ligação da rede elétrica entre Falagueira (Nisa) e Castelo Branco e o município de Castelo Branco não poderia deixar de conhecer este facto, desde logo, devido às suas competências em matéria de planeamento e ordenamento do território. Daí que o executivo estivesse na posse dessa informação.

Nesta fase, é legitimo que se coloque a seguinte questão: o que leva um empresário da cidade, amigo próximo de Luís Correia, a adquirir, em 2001, o terreno onde mais tarde seria instalada a subestação?

O terreno pertencia a uma família das Benquerenças, tendo sido adquirido, pelo empresário, pela importância de seis mil contos (30.000,00 €). Tratava-se de um terreno de 20 hectares, pobre, cheio de mato e algumas oliveiras.

O estudo de condicionantes e localização da infraestrutura, realizada pela REN, em 2003, citado José A. Cerejo, no seu artigo, no Público, de 24 de setembro de 2021, sobre o assunto, “já apontava para um espaço concreto, situado em frente à propriedade comprada em 2001”, pelo empresário.

O estudo de impacte ambiental sobre o traçado desenvolvido para a Linha Falagueira – Castelo Branco 1/2 a 150 kV, Troço Ródão – Castelo Branco, da REN (ARQPAIS, Lda. ECOSSISTEMA, Lda, Abril de 2024), refere que “O estudo do traçado para a nova linha foi naturalmente acompanhado dos contactos com as entidades consideradas potenciais fornecedoras de informação relevante na região, nomeadamente as autarquias abrangidas pelo traçado, tendo sido atendidos, desta forma, aspectos que se prendem com os Planos Directores Municipais e outros instrumentos de ordenamento em vigor ou em elaboração” (p.3), o que significa, uma vez mais, que o executivo do município de Castelo Branco, que Luís Correia integrava, não podia deixar de conhecer.

Em setembro de ano 2004, já na fase de consulta pública, o proprietário do terreno onde a REN pretendia, inicialmente, construir a infraestrutura, apresenta reclamação, dado ser sua intenção construir ali um empreendimento turístico e um campo de golfe, tendo sugerido o terreno em frente ao seu. Desconheço se o proprietário do terreno era ou não conhecido de Luís Correia.

José António Cerejo, no artigo atrás referido, dá conta que, segundo a informação recolhida junto do proprietário, o município de Castelo Branco “já em 1998 teria respondido favoravelmente ao seu pedido de informação sobre a viabilidade de ali construir” aquele empreendimento turístico.

Conforme se refere no Estudo de Impacte Ambiental, de Abril de 2005, relativo à subestação de Castelo Branco, e pese embora a Câmara Municipal de Castelo Branco não ter feito qualquer referência relativamente à intenção do proprietário em construir um complexo turístico e um campo de golfe, aquando da realização do Estudo das Grandes Condicionantes sobre o projeto da REN, e de aquela intenção não estar prevista nos instrumentos de ordenamento do território e de gestão do solo, “a REN, S.A., tomou a decisão de atender à exposição do proprietário e considerou uma nova alternativa (à qual chamou Alternativa D), que relocaliza a subestação numa nova posição a sul da EN 233” (p.4).

José Penedos, presidente da REN, ditara, num abrir e fechar de olhos, a sorte do empresário e de Luís Correia.

Pouco tempo antes, não mais do que dois meses, já Luís Correia comprara ao empresário 1/3 do terreno pelo valor de 9.975 contos (2.000,00 €), ao mesmo preço que o empresário o tinha comprado, em 2001.

Compreendendo que os empresários investem para que possam obter mais valias, por que razão dispensou o empresário, três anos depois, 1/3 do terreno pelo mesmo valor?

Esta uma questão que legitimamente devemos fazer.

E por que razão aceitou Luís Correia, enquanto autarca, adquirir o terreno? Será que não compreendeu que, aceitando adquirir o terreno naquelas circunstâncias, e sendo o empresário que lho vendeu prestador de serviços do município, qualquer contrato efetuado ou a efetuar, enquanto Luís Correia se mantivesse no executivo, seria sempre interpretado como um favor deste relativamente àquele.

Mais ou menos um ano depois da decisão da REN quanto à localização da subestação, e da compra por Luís Correia, eis que a Generg, empresa privada de energia, representada por um advogado da cidade, que já não está entre nós, das relações de amizade de Luís Correia, adquire o terreno na sua totalidade (206 920 m2) por seis vezes mais que o valor da compra.

O empresário comprara o terreno por 30.000,00 € e foi vendido por 187.049,00 €. A parte de Luís Correia, comprada mais ou menos onze meses antes por 9.975,00 €, foi vendida por 62.350,00, tendo obtido um ganho de 523%,

É o que se pode chamar de “negócio das arábias”, um negócio mais rentável do que o bingo do clube da terra, de que fora diretor.

Chegados aqui, importa que nos questionemos: por que razão o terreno foi vendido à Generg por aquele preço e não diretamente à REN?

Será que a REN estaria disponível para pagar diretamente aos proprietários, o valor que a Generg lhes pagou?

Talvez a amizade entre o advogado e Luís Correia tenha ajudado a fixar aquele preço e a agilizar o processo da venda, já que a Generg, pouco tempo depois, o vendeu à REN, pelo mesmo preço que o comprara, não ganhando quaisquer mais valias.

Pouco interessa, neste caso, saber se houve, em todo o processo, alguma ilicitude.

Importa antes acentuar que este tipo de comportamento no exercício de cargos públicos, não é consentâneo com o princípio do serviço “à causa púbica”.

São comportamentos deste tipo que mancham a imagem da classe política e descredibilizam a atividade política e a própria democracia.

É, pois, uma questão de ética.

 

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