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Memorando para os poderes públicos sobre e estado da imprensa em Portugal

Associação Portuguesa de Imprensa - 16/06/2016 - 9:17

A crise, que afecta de forma galopante o sector da imprensa, deixa um rasto de destruição imparável. Despedimentos, fecho de títulos e empresas, edições mais pequenas, redução do número médio de páginas, fim de revistas e suplementos, papel de menor qualidade, fim de colaborações pagas, corte no fornecimento de serviços.

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A crise, que afecta de forma galopante o sector da imprensa, deixa um rasto de destruição imparável. Despedimentos, fecho de títulos e empresas, edições mais pequenas, redução do número médio de páginas, fim de revistas e suplementos, papel de menor qualidade, fim de colaborações pagas, corte no fornecimento de serviços. 
Na verdade, os editores portugueses têm feito milagres na luta pela sobrevivência e pelo equilíbrio das suas empresas. As apostas no digital e a procura incessante de receitas alternativas são respostas consistentes que trouxeram uma nova realidade à imprensa. 
O problema é que as novas receitas não tapam o desequilíbrio das contas, apenas atenuam a diminuição das receitas. 
A par da passagem para o online de anunciantes tradicionais de imprensa, sucessivos governos reduziram ou acabaram com a obrigatoriedade de publicar na imprensa um vasto conjunto de actos de pessoas individuais ou colectivas, praticados em sede de registos e notariado. O mesmo aconteceu com muitas inserções publicitárias do poder local e do poder central. 
Para mais, a imprensa tem vindo a ser vítima de uma incontinência legislativa nacional e europeia que dificulta e condiciona o acesso dos anunciantes aos media, a que se associa ainda a redução do incentivo à leitura. A publicidade institucional do Estado é hoje uma miragem. A legislação não é cumprida, as campanhas do Estado e dos organismos públicos não chegam aos jornais. 
Sem recursos, os editores têm sido obrigados a desinvestir. As medidas adoptadas significam uma menor capacitação da imprensa para cumprir o seu dever. A drástica redução de tiragens, poderá obrigar alguns títulos a deixarem de estar à venda de norte a sul do país, acentuando as assimetrias de desenvolvimento e o livre acesso à informação. 
A falta de meios em muitas redacções impede o desejável acompanhamento da realidade politica, económica e social, chegando a motivar decisões drásticas, com jornais que não escrevem uma linha sobre as campanhas eleitorais. Acompanhar uma campanha eleitoral, passou a ser um luxo para os títulos nacionais. Apanhar a espuma dos dias passou a ser o único sonho possível. 
Hoje o mundo é caracterizado por sinais contraditórios, próprios de uma verdadeira revolução: as plataformas digitais chegam mais depressa aos leitores, enriqueceram e diversificaram as formas de comunicar, agarraram novos públicos, ampliaram e democratizaram a presença da informação, trouxeram o leitor para a mesa das redacções e exploraram um novo tempo para o conceito de actualidade; este tempo novo é o altar do instantâneo. Perante isto o desafio para a imprensa está em fazer a curadoria dos temas, em explicar, contextualizar, evocar a memória. Mas este trabalho só é compatível com recursos, se existirem condições materiais e humanas que o permitam. E isso não acontece. A imprensa tem cada vez mais dificuldade em cumprir o seu papel. 
Será que o dinheiro que devia financiar os jornais foi capturado por outros agentes? A resposta a esta pergunta não reunirá grande consenso mas uma coisa é certa: ao mesmo tempo que os jornais estão mais frágeis, há sectores que a montante e a jusante florescem como nunca.
As empresas de clipping, as de assessorias e relações públicas, as empresas que dominam as plataformas de internet, de distribuição por cabo, os agregadores de notícias, etc, todas estas empresas florescem e batem recordes de vendas, utilizando os conteúdos por nós produzidos. 
Como poderiam estas empresas viver sem os jornais, sem os media? Sem os nossos conteúdos poderiam estas empresas atingir os resultados que conseguem? 
Comemorar hoje e aqui o Dia da Imprensa constitui uma oportunidade única para abanar consciências e gritar alertas. 
Na Associação Portuguesa de Imprensa defendemos que há responsabilidades que o Estado deve assumir, reconhecendo a importância da imprensa na vida da democracia, no contributo para o desenvolvimento tecnológico, na defesa e divulgação da língua portuguesa, na coesão nacional e territorial. 
À procura de um novo caminho, vamos preparar um congresso sobre o futuro da imprensa em Portugal, mas deixamos já um conjunto de propostas de actuação para o Estado e de alertas para os nossos associados: 
1- IVA nas edições electrónicas/digitais idêntico às edições em papel; 2- Incentivos em sede de IRS para quem compra ou assina jornais ou revistas; 3- Publicidade institucional do Estado; 4- Publicidade obrigatória (actos de registos e notariado,concursos públicos); 5- Direitos de autor sobre utilizações comerciais dos conteúdos como o clipping; 6- Incentivo à leitura adaptado à nova realidade dos Correios privatizados; 7- Plano de leitura que permita 10 jornais em cada turma; 8- Regulamentação dos suportes digitais das autarquias e dos serviços públicos utilizados como se fossem jornais, rádios ou televisões o que configura concorrência desleal; 9- Ajustamento do código da publicidade.
Mas é aqui importante um alerta: não basta apelar ao Estado. É preciso ver o sector na também na perspectiva de um mercado aberto. 
Se o sector não olhar com criatividade para o seu negócio, se não conhecer os exemplos internacionais de inovação, se não se inspirar nas boas práticas já adoptadas pelo sector mesmo que noutros países, se não acompanhar de perto os seus clientes/leitores não há apoios que permitam uma sustentabilidade saudável da imprensa. 
Os estudos internacionais dizem-nos que é a informação jornalística e noticiosa de proximidade que está em melhor posição para sobreviver à globalização do mundo informativo digital. O seu capital de proximidade e de afectividade é um trunfo único. É preciso tirar partido dele. É preciso encontrar soluções para que ele não se perca no tempo. Sem renovação qualquer indústria morre. E não fiquemos só à espera do Estado para mudar um status quo que interessa muito a quem está instalado. Ousemos ir mais longe. Ousemos transformar as nossas marcas em ativos monetizáveis.

Nota: Este texto não foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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