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O adeus ao cavaquismo

Florentino Beirão - 10/03/2016 - 10:34

Deixando de lado o vergonhoso caso da ex-ministra das Finanças Maria Luís de Albuquerque que, logo que deixou o governo de Passos Coelho, imediatamente se amarrou a um chorudo “tacho”, numa empresa londrina, continuando como deputada. Não comentando o triste caso do ministro da Cultura João Soares que “correu a pontapé” o responsável pelo CCB de Lisboa. Aplaudindo a nova remessa de sírios que vêm tentar recomeçar as suas angustiantes vidas no nosso acolhedor e solidário país. Conversemos antes do adeus ao cavaquismo que, para o bem e para o mal, presidiu, ao longo dos últimos vinte anos, aos destinos pátrios, como primeiro-ministro (1985-1995) e como Presidente da República (2006-2016).

Não querendo já fazer história, mais tarde se fará, diremos que Cavaco Silva foi um político que, não perdendo a sua identidade, percorreu algumas fases, na sua longa vida política.

Como primeiro - ministro, teve a sorte de lhe sair o brinde da nossa entrada na União europeia de onde jorrou ouro abundante, lembrando-nos o nosso Brasil, dos tempos do rei D. João V. Com os cofres cheios, Cavaco tentou modernizar e desenvolver o país, derramando muitas verbas em infra estruturas. A nível nacional e em todos os concelhos. Esta boa conjuntura financeira permitiu-lhe maiorias absolutas que demonstram que Cavaco soube entender o que pensava a maioria dos portugueses. Manter um país conservador na mentalidade e nos costumes, mas moderno nas suas aspirações materiais, o badalado “capitalismo popular”. Apostar ainda na defesa de um Estado Social e integrado na Europa, após o virar de costas às colónias.

Se não nos enganamos, Cavaco manteve ainda alguns traços do defunto, mas, em muitos aspetos, sempre presente, salazarismo. Dizendo ambos que não viviam para a política. Que os ministros eram apenas uns seus ajudantes. Que nunca se enganavam. Aceitarem uma visão providencialista da vida. Cavaco, por exemplo, chegou a acreditar que Nossa Senhora de Fátima salvou o país da troika. Ambos pescando os seus apoios políticos em zonas rurais. Os seus receios das multidões. Travão à modernização apressada das zonas fraturantes dos costumes. A origem rural dos dois governantes que se afirmaram pelo seu valor pessoal. A aposta no ensino também não nos aparece como uma das suas grandes paixões. O que pretendemos afirmar é que tanto Cavaco, como Salazar, ambos com prolongada longevidade política, souberam, conscientemente ou não, entender o Portugal profundo, enquanto foram chefes do Governo, embora governassem ao sabor das elites económicas e financeiras.

Passando a Cavaco como Presidente da República - cargo sempre rejeitado por Salazar- embora conservasse alguns traços anteriores, acabou por colher o que antes semeara. Como Salazar, os primeiros anos do governo de Cavaco foram, como vimos, muito positivos para o desenvolvimento do país. Porém, esticando-se no poder, o tempo começou a desfigurar a sua imagem política, como Salazar, após a 2.ª Guerra Mundial.

As razões desta mudança de opinião dos cidadãos – as sondagens o demostram - face a Cavaco Presidente, são de diversa ordem. Comecemos por Cavaco ter esvaziado o seu cargo, em função de uma “cooperação institucional”. Perdeu assim parte da sua autoridade quando se amarrou em demasia ao governo de Passos Coelho. Ao inventar umas improváveis escutas em Belém, em 2009, não abonou em seu favor tal atitude. Quando o Presidente da República veio a público, confidenciando que os seus proventos não lhe davam para viver, encontrando-se os portugueses mergulhado em fortes cortes da austeridade, em 2012. O caso da falência do BPN em 2008 - onde Cavaco tinha ações e ainda a sua posição na falência do BES, em 2014, também não ajudaram a sua relação com o povo que lhe tinha dado as maiorias. A imagem algo divinizada, como Salazar teve, foi sendo corrompida quando a representação popular foi sendo desfeita por estas e outras polémicas atitudes. Lembremos ainda os últimos dias do mandato de Cavaco quando tentou condicionar o cenário político, após as últimas legislativas de 4 de Outubro. Para espanto de muitos, chegou a apelar aos deputados socialistas que votassem contra a disciplina partidária, para impedir que Costa e as forças à sua esquerda assumissem o poder. Como não havia outra alternativa, a contra gosto lá indicou um novo Governo, engolido em seco.

Rei morto, rei posto. A partir do dia nove de março Portugal passou a ter um novo Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, eleito por maioria à primeira volta. Do que já se conhece, o país acertou na escolha. Novos ventos parecem soprar lá para os lados de Belém. Uma lufada de ar mais fresco a varrer este país, tão cinzento e amorfo. Adeus ao cavaquismo.

florentinobeirao@hotmail.com

 

 

 

 

 

 

 

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