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O descontrolo das medalhas de Belém: Banalização de condecorações e atribuição de títulos

José Manuel Sanches Pires – jsanchespires@gmail.com - 24/03/2016 - 10:35

Há outros exemplos que poderiam ser enumerados mas, para não ser exaustivo, estes são sobejamente elucidativos para demonstrar a falta de rigor e a trivialidade com que, neste país, são atribuídos títulos e condecorações. Inspirado em Almeida Garrett permitia-me aventar:- E tu castor! Róis árvores. Destróis florestas. Mas és labutador. Serás comendador! 

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A tendência, quase doentia, com que se atribuem títulos e se outorgam condecorações, não é um assunto que apenas diga respeito aos tempos modernos. Não são apenas os Presidentes da República que distribuem medalhas indiscriminadamente. No século XIX, a rainha D. Maria II, também obcecada por medalhas, usou e abusou na colocação destas insígnias. Almeida Garrett, glosando com a situação, escreveu uma frase que ficou célebre: ”Foge cão que ainda te fazem varão! P`ra onde, se me fazem visconde?” O facto é que, ironicamente ou talvez não, também ele não escapou às arremetidas medalhistas da rainha. No dia 25 de Junho de 1851 foi agraciado com o título de visconde. O facto é que, Almeida Garrett, embora tenha desdenhado da situação, ele próprio, acabou por não enjeitar o título que lhe foi atribuído. 
Hoje, em pleno século XXI, muitos dos agraciados, para além de não desdenharem, colocam-se em bicos de pés para a obtenção de distinções que, muitas vezes, nem seriam merecidas. Uns por vaidade pessoal, alguns para subir na escala social e outros para dissimular a sua verdadeira essência, o facto é que os colares lá vão colorindo os mais variados pescoços. É admissível que o elevado mérito individual, diferenciador de atividades comuns e normais, seja distinguido. Porém, ninguém deveria ser objeto de distinção apenas porque cumpre com as suas obrigações sejam elas profissionais, políticas ou outra. Maurício Santos disse: “A honestidade sempre é recompensada, mas quem acredita que a honestidade precisa ser recompensada, já não é honesto.” Mas, pior que estas distinções, são aquelas que tiveram como destinatários individualidades que em nada contribuíram para o bem comum e, nalgumas situações, os agraciados até tiveram comportamentos penalizantes ou menos dignos. Não há rigor na avaliação da atribuição dessas condecorações ou atribuição de títulos. Atribuíram-se distinções por amiguismo, para disfarçar equidades partidárias, por compadrios partidários, por tudo e por nada! José Saramago, o prémio Nobel cujo mérito não foi reconhecido por Sousa Lara, um dos últimos agraciados por Cavaco Silva, escreveu: “O tempo das verdades plurais acabou. Vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias”. 
Aqui ficam, apenas como exemplo, algumas dessas mentirosas condecorações. Outras, embora ainda ocultas, quem sabe um dia, virão a engrossar este desonroso rol. 
- Zeinal Bava foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Empresarial, mas acabou por ficar ligado ao descalabro da Portugal Telecom; Valentim Loureiro recebeu o título de Comendador da Ordem do Mérito, mas acabou por ser condenado a três anos e dois meses de prisão com pena suspensa, por abuso de poder e prevaricação; Hélder Bataglia conseguiu o título de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, mas foi constituído arguido no processo relativo à compra dos submarinos; Armando Vara foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, mas acabou condenado a cinco anos de prisão efetiva; Macário Correia obteve o grau de Grande-Oficial da Ordem do Mérito, porém, por atos ilegais, perdeu o mandato de presidente da Câmara Municipal de Faro; Miguel Horta e Costa recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, mas acabou arguido no caso “Mensalão”; Manuel Espírito Santo recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Empresarial, mas não estará isento de responsabilidades no descalabro do BES e do GES; Carlos Cruz recebeu a medalha de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique mas foi condenado a pena de prisão efetiva; Jorge Ritto recebeu o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique, hoje está a cumprir pena de prisão. Etc., etc. etc…. 
Há outros exemplos que poderiam ser enumerados mas, para não ser exaustivo, estes são sobejamente elucidativos para demonstrar a falta de rigor e a trivialidade com que, neste país, são atribuídos títulos e condecorações. Inspirado em Almeida Garrett permitia-me aventar:- E tu castor! Róis árvores. Destróis florestas. Mas és labutador. Serás comendador! 

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