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O jogo do mata-mata

Florentino Beirão - 25/02/2016 - 11:50

Já chorámos as três inocentes meninas que partiram, na sua flor de idade, por suposta falta de quem devia cuidar delas. Assistimos impávidos a uma maré de condecorações presidenciais, algumas indecorosas ou discutíveis. O Presidente da República, em período de mudanças, excedeu-se na sua generosidade. Até o inquisidor-mor de Saramago, Sousa Lara, teve direito de uma medalha ao peito. Quanto ao Orçamento do Estado em debate, tem servido, politicamente, para tudo e o seu contrário. De despesista a amigo das famílias.

Lá por fora, tudo em suspenso, à espera do sim ou do não da Inglaterra à UE. O mesmo se diga dos martirizados Sírios, a vaguear, sem norte, por essa Europa também à deriva, sem rumo. Do surpreendente papa Francisco, uma lufada de ar puro para com a Igreja Ortodoxa da Rússia e a veemente denúncia da construção de muros entre as nações. Em vez deles, o Papa prefere as lançar pontes entre as pessoas e os povos. Foi esta mensagem que, nos últimos dias, mais me interpelou. Em vez de costas voltadas, tentar-se ao menos, estabelecer as pontes possíveis de diálogo.

O caso que tem dado que falar entre Carlos Costa, governador do Banco de Portugal e António Costa, primeiro - ministro, podemos encaixa-lo numa negativa atitude, que em vez do diálogo, se preferiu atirar setas. O que se deveria ter feito no recato de um gabinete ou almoço de trabalho, de fora do país o primeiro-ministro optou por enviar recados ao Governado do BdP. Não foi bonito e deixou as ligações entre ambos, já de si difíceis, em estado de pré- rotura institucional. Esperamos que ultrapassáveis.

Bem sabemos que Carlos Costa já não devia ocupar o lugar a que, teimosamente, parece estar agarrado. Com os bancos a caírem, uns atrás dos outros, em mãos alheias, Espanha e Angola agradecem. Como resultado uma montanhas de clientes, com vidas desfeitas. Erros atrás de erros, do BES ao Banif, com favorecimentos eleitorais ao último governo, com o envio de mensagens enganosas aos mercados, tudo foi contribuindo para o desgaste de Carlos Costa, nos últimos anos.

Tudo isto e o demais que se queira dizer, acerca do BdP terá, certamente, toda a adesão da maior parte da opinião pública. Carlos Costa poderá encontrar-se a mais naquele lugar público, de tamanha responsabilidade. O país e as instituições já sofreram em demasia com os erros cometidos com as suas discutíveis opções. Dito isto, o primeiro-ministro, António Costa, homem inteligente e de fina estratégia política, quanto a nós, terá cometido um erro estratégico jogando uma cartada errada. Trazendo o assunto para a praça pública não terá medido bem as consequências para si e para a imagem do BdP. Após a sua intervenção, os muros de vitimização foram cercando o Governador de tal modo que terá sido pior a emenda que o soneto. Saia ou não sai o Governador do seu lugar de conforto, haverá sempre argumentos para criticar António Costa.

"O que se deveria ter feito no recato de um gabinete ou almoço de trabalho, de fora do país o primeiro-ministro optou por enviar recados ao Governado do BdP. Não foi bonito"

Semelhante cabeçada ocorreu com Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, a respeito das suas declarações sobre o aeroporto de Vigo, classificando-o de “miserável” e uma “salsicha fresca dentro de uma francezinha”. Tais declarações públicas, de muito mau tom, acabaram também por provocar um conflito institucional com o alcaide da opulenta e linda cidade espanhola o qual não seria desejável, por ambas as partes. Em vez de pontes, neste caso de ligações aéreas, acabou por resultar um erguer de muros, com repercussões escusadas.

Mas nem tudo tem sido negativo nas relações entre as pessoas e os seus cargos políticos. Gostámos de apreciar as primeiras movimentações do novo Presidente da República, acabado de eleger. Aproveitando o tempo, antes de ocupar a sua cadeira no palácio de Belém, a partir de março, Marcelo Rebelo de Sousa, não se tem cansado de receber altas figuras públicas, da sociedade e do Governo, para ir estabelecendo pontes entre as diversas personalidades. Mesmo a escolha de alguns colaboradores que irão trabalhar com o futuro Presidente, tanto no Conselho de Estado como com assessores, tem sido consensual na sociedade. Começar bem, com pontes estendidas em todas as direções, poderá ser prenúncio de melhores dias. De costas voltadas, jogando o jogo do mata-mata, em permanente conflito escusado, nada de bom se pode esperar. Tanto entre as pessoas como das instituições públicas ou privadas. Sabemos que o conflito faz parte da vida. Em democracia é indispensável. Mas sempre temperados pelo bom senso que nunca é demais na vida das pessoas e dos povos.

florentinobeirao@hotmail.com

  

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