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Pais em tempos de crises. O trabalho de cuidar

Mário Freire - 30/09/2021 - 9:30

Vivemos numa sociedade em que, crescentemente, se fala na palavra “cuidados”. São os cuidados de saúde primários, cuidados continuados, cuidados paliativos, cuidados intensivos, cuidados de idosos…
Nem todo o tipo de cuidados exige a mesma formação; alguns há que são altamente especializados, enquanto outros exigem apenas a escolaridade obrigatória. Todos eles, porém, têm algo em comum: os cuidadores lidam com pessoas que têm grandes fragilidades e que, em regra, possuem uma reduzida ou nula autonomia. O cuidador é então aquele que participa directamente na manutenção ou preservação da vida do outro. 
Os contextos da realização dos “cuidados” são diversos, seja em casa ou numa instituição (lar de idosos, hospital, unidades de cuidados diferenciados...). O seu exercício pode ser gratuito ou remunerado. 
Se nos cuidados de maior especialização, como os de natureza médica e outros afins, são aplicados conhecimentos técnicos, embora a comunicação com o doente, quando ela é possível, seja aspecto a relevar, nos cuidados de menor especialização técnica, por requerer, em regra, tempo mais prolongado do cuidador junto da pessoa a cuidar, a relação entre aquele e este torna-se muito mais próxima. 
Centremo-nos, então, neste último tipo de cuidadores. 
Pascale Molinier, professor de psicologia na Universidade da Sorbonne, Paris, refere que neste género de trabalho, o cuidador tem que saber antecipar o pedido do outro e ocultar os esforços e o trabalho realizado para alcançar o resultado desejado. É um trabalho que exige paciência, interacção, empatia nos gestos mais simples quando, por exemplo, se coloca, numa pessoa acamada, um copo de água e a campainha perto da mão. “Esse saber e actuar é discreto, no sentido de que deve ser efectuado sem chamar a atenção de quem dele beneficia”, diz Molinier. Esta imperceptibilidade do trabalho de cuidado, continua Molinier, é reforçada por ser como que uma expressão da alma feminina. Na verdade, são as mulheres que, maioritariamente, exercem as funções de cuidadoras.
Outro aspecto é o de que esta classe de trabalho, envolvendo relações de proximidade e situações em que o pudor aflora, não pode ser executado de um modo meramente técnico. Ele implica relações que vão além da execução de tarefas mas que, a longo prazo, para ser eficaz, tem que radicar na simpatia, na amizade por aqueles de quem se cuida. 
Depois, há os cuidadores informais, normalmente familiares próximos que, quantas vezes deixando de exercer as suas actividades profissionais, se dedicam a cuidar de um filho, do marido, da mulher... Para além do altruísmo que revela o seu exercício, há que fazê-lo equivaler, sob o ponto de vista legal, a qualquer outro que seja remunerado.
Numa altura em que ouve falar-se de vários tipos de violência, a maior parte dos quais dentro da própria família, torna-se reconfortante ver estes exemplos de dedicação de cuidadores, familiares ou não, que testemunham, de um modo concreto e discreto, a amizade junto daqueles que cuidam. 
freiremr98@gmail.com

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