Este site utiliza cookies. Ao continuar a navegar no nosso website está a consentir a utilização de cookies. Saiba mais

Uma questão de justiça: Crime sem Castigo, no caso MASCAL

Pedro Rego/Associado da MASCAL - 07/07/2022 - 9:39

O russo Dostoiévski desenvolve, em Crime e Castigo, obra-prima da literatura universal, uma ideia do filósofo romano Séneca, exposta em Cartas a Lucílio.

Partilhar:

O russo Dostoiévski desenvolve, em Crime e Castigo, obra-prima da literatura universal, uma ideia do filósofo romano Séneca, exposta em Cartas a Lucílio. Segundo Séneca «Quem espera um castigo acaba por apanhá-lo, e quem merece castigo está sempre à espera dele. A má consciência pode, ocasionalmente, garantir uma certa segurança material, mas nunca a serenidade de espírito. O criminoso, mesmo que não seja apanhado, está sempre pensando na possibilidade de o ser, tem permanentes pesadelos, sempre que se fala de um crime qualquer ele pensa no seu próprio crime, que nunca lhe parecerá suficientemente esquecido, suficientemente ignorado». Nesta linha de pensamento, o personagem principal de Crime e Castigo, o jovem estudante Raskolnikov, após cometer um duplo homicídio, combatido pela sua própria consciência, acometido pela culpa, fustigado pelos dramas psicológicos que interiormente o assaltam, acaba por confessar o crime, já depois de a polícia ter acusado e prendido um inocente, aceitando finalmente que a todo o acto criminoso deve corresponder uma pena.  
Vêm estas considerações a propósito dos recentes desenvolvimentos do caso MASCAL, onde se julgou um crime de burla tributária qualificada, imputado a esta instituição de solidariedade social, a dois dos seus dirigentes, os políticos locais Idalina Costa e seu filho Gonçalo Costa, e a uma funcionária. 
Segundo o douto despacho da Meritíssima Juiz do tribunal de Idanha-a-Nova, que julgou o caso em primeira instância, proferido no passado dia 27 de Junho de 2022, deu-se como provado o seguinte:
a) No triénio 2012/2014 e no quadriénio 2015/2018 Idalina Costa e Gonçalo Costa foram presidentes da direcção da Instituição e desempenharam um papel activo na gestão e administração da mesma;
b) Nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, a chefe de serviços era quem enviava mensalmente as listas de utentes à Segurança Social (S.S.), no âmbito dos acordos existentes e que se traduziam no pagamento à MASCAL de determinado montante por utente;
c) Essas listas eram submetidas com nomes de pessoas que não eram utentes, isto é, para além dos nomes dos utentes, eram acrescentados outros de pessoas completamente alheias à Instituição;
d) Assim se criou a aparência de uma situação que não correspondia à verdadeira realidade dos factos, em vista do recebimento de determinadas verbas a título de comparticipação fixada por cada utente/mês;
e) Tal factualidade configurou um esquema segundo o qual a MASCAL obteve, indevidamente, entre Janeiro de 2013 e Julho de 2018, o montante de 35.701,25 euros;
f) Tal valor corresponde à inclusão de 12 números de identificação de segurança social relativos a 12 pessoas que não frequentaram qualquer resposta social desenvolvida pela MASCAL;
g) Das listas mensais enviadas à S.S. constavam 12 utentes a quem nunca foram prestados os apoios sociais, com vista ao recebimento indevido das quantias relativas à comparticipação da S. S., como se tais utentes tivessem beneficiado dos tais apoios;
h) O recebimento de tais quantias não era devido, e dele resultou o enriquecimento da MASCAL e o empobrecimento da S. S., leia-se, do erário público;
i) Tais declarações enviadas à S.S. foram viciadas, e permitiram a apropriação indevida de um montante de 35.701,25 euros, verba que, não fora o esquema descrito, não teria sido paga à MASCAL.
Neste conspecto, apesar de ter dado como provada a existência de um esquema de recebimento indevido de verbas, a Meritíssima Juiz não conseguiu determinar, com insofismável certeza, quem fossem as pessoas responsáveis pela elaboração das listagens viciadas, enviadas com utentes não existentes, pela chefe de serviços da MASCAL, à Segurança Social. Por conseguinte, no seu prudente arbítrio, a Juiz decidiu lançar mão de um princípio incontornável do processo penal: o in dubio pro reu, brocardo latino que significa que, subsistindo a mais pequena dúvida sobre a responsabilidade do arguido, deve este ser absolvido, segundo o entendimento de que é preferível deixar de se punir um criminoso, a condenar-se um inocente. Assim, sendo provada a existência de um esquema ilícito, criado em vista de burlar a Segurança Social, leia-se, os cofres do Estado, durante os mandatos de Idalina Costa e de Gonçalo Costa, através da viciação de elementos enviados à Segurança Social, não se conseguindo determinar quem fornecia os nomes de pessoas que nunca existiram como utentes na MASCAL, a Juiz decidiu não condenar os arguidos. 
Refira-se que a MASCAL foi ainda objecto de um processo administrativo relativo a irregularidades detectadas numa acção inspectiva da Segurança Social, nos mandatos de Gonçalo Costa e Idalina Costa, num esquema semelhante ao acima descrito, sendo a instituição condenada a devolver 107 mil euros à Segurança Social, verba que está a ser paga pela Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, através de transferências para a Instituição. 
Finalmente, porque a um crime deve corresponder necessariamente uma pena, é expectável que o Ministério Público, que havia pedido a condenação dos arguidos Idalina Costa e Gonçalo Costa a uma pena de prisão de dois anos e meio, suspensa na sua execução, venha a recorrer da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra. 

Pedro Rego/Associado 
da MASCAL

COMENTÁRIOS