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Valter Lemos escreve carta aberta ao Conselho Geral do IPCB

Valter Lemos* - 14/12/2019 - 9:33

Antigo presidente do Instituto Politécnico de Castelo Branco escreve sobre a reorganização na instituição.

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Valter Lemos foi presidente do IPCB de 1996 a 2005. Foto arquivo Reconquista

Caros conselheiros: Vitor Santos, Luís Correia,  Carlos Coelho, Helena Freitas, Joaquim Morão, José Alves, Paulo Fernandes, Arlindo Silva, António Moitinho Rodrigues, António Pinto, Carlos Reis, Francisco Lucas, Henrique Gil, João Belo, João Ventura, Jorge Almeida, José Carlos Gonçalves, José Raimundo, Maria da Natividade Pires, Maria de Fátima Paixão, Edite Santos, Júlio Correia, Tomé Madeira, Alexandre Pinto Lobo, Sérgio Alves. 

No dia 2/12/2019 o Conselho Geral do Instituto Politécnico de Castelo Branco aprovou uma proposta de reorganização apresentada pelo presidente do mesmo instituto. 

Esta proposta extingue a Escola Superior de Educação de Castelo Branco, dispersando as pessoas e os recursos materiais que a integram pelas escolas de Saúde e de Artes Aplicadas, extingue a Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova/ESGIN, cria uma nova escola de “Informática e Gestão de Negócios”, que ocupará o espaço físico da ESECB e integrará as pessoas e os recursos da ESGIN e funde as atuais Escola Superior Agrária/ESA e Escola Superior de Tecnologia/EST (exceto Informática).

A extinção formal da ESACB e formal e material da ESECB, criadas há 40 anos pelo Decreto-Lei 513-T/79 de 26/12 e que tiveram existência material antes do próprio Instituto Politécnico, mostra, no procedimento, um desrespeito institucional que não seria de esperar de um órgão como o Conselho Geral. 

As instituições não são meras abstrações representadas em títulos ou organogramas. São pessoas e ideias e também cognições, relações e afetos. São construções sociais e memórias coletivas. Seria de esperar que os altamente qualificados membros do Conselho Geral o reconhecessem e o tivessem em consideração no exercício das suas altas responsabilidades. Tratar as instituições e as pessoas que as integram como meras funcionalidades não é digno de um órgão tão relevante.

Não cuidou o Conselho Geral, como lhe competia, de proceder a uma audição dos envolvidos, aprovando quase em sigilo uma alteração organizacional do IPCB que pode impactar de forma decisiva na vida profissional e pessoal de centenas de pessoas que nele desenvolvem a sua atividade.

Os representantes dos docentes procederam à audição dos docentes? E os dos alunos? E os dos funcionários? E os representantes da comunidade procederam à audição da comunidade?

E que não se diga que a presidência do IPCB já tinha procedido a audições, porque, independentemente da opinião que se possa ter sobre o conteúdo dessas audições, elas não foram feitas pelo Conselho Geral, órgão a quem compete decidir e, portanto, proceder à audição prévia dos envolvidos e dos interessados.

A resolução do Conselho Geral revela, assim, um processo autocrático, porque não discutido com os interessados, e arrogante, porque imposto sem respeito pelas opiniões dos que construíram e constroem diariamente a instituição, a que acresce o facto fundamental de não serem nem claros nem transparentes os seus objetivos.

Sim, porque esta é a questão central: porquê? O que se pretende com tal decisão?

Nos documentos aprovados pelo Conselho Geral, e enviados a conhecimento dos docentes e funcionários após a resolução do dia 2/12/2019, não consta qualquer objetivo a ser atingido com a reorganização. Reorganiza-se para quê? Deve, com certeza, haver um ou mais objetivos ou a decisão foi tomada sem se saber para quê? 

Das intervenções públicas do senhor presidente do IPCB, o único objetivo que é referido respeita à melhoria da eficiência financeira da instituição. A ser assim, deveria haver, como é recomendado por qualquer manual elementar de gestão, um cuidado estudo financeiro de suporte à decisão que mostrasse os benefícios, poupanças ou melhorias conseguidas com as soluções propostas. Mas não se conhece nenhum estudo, nem cuidado, nem mesmo descuidado.

Por que razão não foi divulgado, pelo menos aos órgãos internos? Será porque não existe? Será que os responsáveis conselheiros aprovaram a reorganização e criaram esta enorme entropia institucional para melhorar a eficiência financeira da instituição, sem qualquer dado concreto sobre essa eventual melhoria?

Porque, certamente, o Conselho Geral terá consciência que aprovou uma enorme balbúrdia, de acordo com os documentos que enviou!

Recapitulando:

  • A ESE é extinta e dispersa por várias outras escolas: 382 alunos -  de 1 Ctesp, 2 licenciaturas e 5 mestrados das áreas de serviço social e de educação -  28 professores e os materiais associados são transferidos para a ESART; 243 alunos, dos cursos de desporto, 9 professores e materiais associados são afetos à ESALD, mas ficam instalados nos Blocos B e C da ex-EST!!! 
  • A atual ESA é transformada em ESTIT (Escola Superior de Tecnologia e Inovação Territorial!) e são transferidos da atual EST, 256 alunos -  de 2 Ctesp, 4 licenciaturas e 1 mestrado - 42 professores das áreas de engenharia e os materiais associados (laboratórios, equipamentos eletrónicos e informáticos, etc.).
  • É extinta a ESGIN e criada uma Escola de Informática e Gestão de Negócios/ESIG que fica instalada no edifício da ex-ESE (que é dispersa por outras). A ESGIN mantém cursos em funcionamento em Idanha-a-Nova e da ex-EST são transferidos, para esta nova escola, 563 alunos - de 3 Ctesp, 2 licenciaturas e 1 mestrado- 23 professores e os materiais associados (laboratórios, computadores, etc.).

Alguém compreende bem o que aprovaram? E não é tudo, porque ainda há cursos de design da ESART que ficam a funcionar em instalações da antiga EST, etc, etc.

Com todo o respeito, senhores conselheiros, isto soa a brincadeira de mau gosto!

E, senhores conselheiros, quanto vai custar esta balbúrdia? 

Tiram-se os alunos de desporto da ESE, onde está localizado o único pavilhão desportivo do IPCB, e enviam-se para a EST onde estão os laboratórios e computadores, para enviar estes laboratórios e computadores para a ESE para lá colocar os alunos dos cursos de informática que estão na EST?

Alguém explica porque não se deixam estar onde estão e não se gasta um cêntimo com tais mudanças estapafúrdias?

Ou existem outros objetivos que justificam que se gastem muitos milhares de euros para fazer mudanças que dizem ser para diminuir custos?

Nesse caso quais são esses objetivos? 

Transferem-se os alunos de serviço social e de educação da ESE para a ESART e transferem-se alunos da ESART para a ex-EST? 

Extingue-se a ESGIN para, afinal, ficarem lá os mesmos alunos e docentes a funcionar sem nenhuma direção?

Ou é para justificar a criação de uma outra escola em Castelo Branco?

 

Senhores conselheiros:

Exige a ética e a transparência indispensáveis a todas as instituições e procedimentos públicos e até as mais elementares regras de gestão, que sejam clarificados e quantificados os objetivos, custos e relação custo-benefício desta reorganização, pois sem tais elementos o que se apresenta é uma balbúrdia que ameaça infernizar a vida de milhares de alunos, professores e funcionários e que parece ter custos financeiros, académicos e até sociais muito elevados e possivelmente incomportáveis para o IPCB.

A aparente ligeireza da vossa decisão é chocante para qualquer cidadão bem-intencionado e naturalmente para os professores, alunos e funcionários que irão sofrer os efeitos da mesma.

O IPCB tem quarenta anos de história. Alguns de vós parecem conhecê-la mal.  Se esta vossa decisão vier a consumar-se nos termos em que é apresentada, espero que todos os conselheiros sejam tão expeditos e responsáveis a responder aos problemas que surjam e aos resultados gerados, como foram na tomada da decisão agora anunciada.

E tal não é um desejo. É mesmo uma exigência da ética republicana que enforma a gestão pública.

Saudações académicas.

*Responsável pelas propostas de criação da Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova, da Escola Superior de Artes Aplicadas e da Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias. Vogal da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação de Castelo Branco de 1985 a 1996

 

 

 

COMENTÁRIOS

José Martins Barata de Castilho
à muito tempo atrás
Estou inteiramente de acordo com o texto do Prof. Valter Lemos. Pela primeira vez encontrei uma descrição clara desta chamada reestruturação. Parece-me que o absurdo e confusão do que está a ser ou vai ser feito não podiam ser maiores. Pelo que se descreveu, não vai haver nenhuma diminuição de custos, vai haver transtornos enormes para alunos e professores, o panorama é péssimo. Não se compreende quais os objectivos em vista, não há transparência nenhuma, mas percebe-se que o que se pretende é outra coisa que ninguém sabe o que é, com excepção dos deuses dentro do segredo. Espero que isto não passe a nível superior. Se, por acaso, foi concedida autonomia suficiente para tornar irreversíveis estes arranjos sem sentido, está aqui um bom exemplo que mostra como a descentralização pode ser perigosíssima, autocrática e socialmente inútil.
Maria Ruta do Espírito Santo
à muito tempo atrás
Valter Lemos
Presidente do IPCB de 1996 a 2005 (Responsável pelas propostas de criação da Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova, da Escola Superior de Artes Aplicadas e da Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias)
Vogal da Comissão Instaladora da Escola Superior de Educação de Castelo Branco de 1985 a 1996
O HOMEM que levou o IPCB ao elevado nível que nunca tivera antes. Encontrou-o com 3 escolas deixou-o com 6. Com o seu modo simples e humilde de conviver, soube criar um ambiente familiar entre professores, funcionários e alunos, onde todos se sentiam parte integrante da grande família IPCB e por ela vestiam a camisola…
Muito me desiludirá o Governo de António Costa se ratificar esta miscelânea a que chamam "reorganização".
Maria Rita do Espírito Santo
à muito tempo atrás
Senhor Professor José Martins Barata de Castilho, "Lei nº 62/2007 – Regime jurídico das Instituições do Ensino Superior
Artº 55º - A criação, transferência, cisão, fusão e extinção
1. São feitas por «decreto-lei», considerados os resultados da avaliação, ouvindo os órgãos das instituições em causa, bem como os organismos representativos, as instituições do ensino superior públicas e o Conselho Coordenador do Ensino Superior (só o Governo tem competências para fazer Decretos-Lei)
3. o «decreto-lei» de extinção, fusão, integração ou fusão tem em consideração os princípios fixados pelas normas gerais aplicáveis para salvaguardar:
a) Os direitos dos estudantes
b) Os direitos do pessoal, nos termos da lei
c) os arquivos documentais da instituição (nada disto foi acautelado)
Artº. 59º - A criação, transferência, cisão, fusão e extinção
a) É a competência do Conselho Geral
b) ««««Carecem de autorização prévia do Ministro da tutela»»»
Resumindo. É da competência do Conselho Geral, «mas carece de prévia autorização do ministro da tutela».
Tal competência está dos estatutos do IPCB… mas as regras do Estatuto não podem sobrepor-se às normas da Lei 62/2007 - Regime jurídico das Instituições do Ensino Superior
Numa das actas da reunião do CG, o um Conselheiro tocou no ponto fulcral e disse ser a problemática da «coesão territorial», uma questão que não pode nem deve ser o IPCB a fazer mas o governo. Parece que ninguém prestou atenção.
Se o Governo de António Costa deixar passar esta miscelânea, muito me vai desiludir
jmarques
à muito tempo atrás
Depois desta douta explanação e de outras e dos comentários/desabafos constantes na Petição Pública, só me resta uma dúvida, porque é que reorganização é tão boa e ninguém a quer, senão quem a propõe?
Com a regionalização que se apregoa, muitos reizinhos destes vão aparecer pelo país fora, em que os interesses da corja se sobrepõe sempre ao interesse do país.
Outros haverá em que é a vaidade que não os deixa ver a realidade e tem de deixar marca como a mosca onde pousa.
Maria Gabriela Nunes
à muito tempo atrás
Obrigada Valter pela exposição clara e objetiva desta tramóia.Tendo-me aposentado da ESE há sete anos, tenho estado afastada do que por lá se tem passado nos últimos tempos (por razões de outras prioridades de vida que entretanto estabeleci). Sinto-me triste e chocada. Fiz parte da equipa de professores que "fundou" a Escola Superior de Educação a partir de 1985 - a segunda Escola do Politécnico de Castelo Branco. A Escola Superior Agrária, apesar de jovem, já era uma referência no país. Só quem não tenha a mínima noção do que foi a primeira década de existência e desenvolvimento destas duas escolas que constituíam, na altura, o IPCB - em termos de empenho, dedicação, partilha de conhecimento e afetos entre toda a sua comunidade académica, local e inter-regional * - poderá ter o desplante de acabar sequer com a sua designação.
O meu curto comentário não implica saudosismo nem conservadorismo - haverá certamente necessidade de olhar para o futuro das instituições com visão estratégica inteligente, mas a História sempre nos mostrou que não é enterrando o passado que se consegue construir um futuro melhor.
Deixo só 2 perguntas , entre muitas que poderia fazer:
- Onde está presente, neste processo recente, a verdadeira democracia dentro da academia?
- Alguém me pode explicar se a designação " Inovação Territorial" constitui uma nova área de investigação? (na minha humilde opinião parece-me mais um desígnio político).

* [ As Escolas Superiores de Educação foram pioneiras no trabalho inter-pares, graças à forte ligação entre os docentes "fundadores" decorrente da sua formação comum - o Master of Education da Boston University. Este facto foi essencial na construção dos currículos dos diversos cursos de licenciatura de professores a nível nacional, na produção de conhecimento e na própria ligação às universidades a nível internacional. E já agora, não esquecer s.f.f. que a ESECB trouxe para o Ensino Politécnico o primeiro Mestrado em colaboração com uma universidade inglesa - Nottingham University.]