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Cata-ventos: Requalificar o bairro do Castelo

Costa Alves - 18/11/2021 - 9:52

A anunciada intervenção na Zona Antiga de Castelo Branco tem muito que se lhe diga. Está em causa uma viragem na ação municipal que fique na história da evolução da cidade.
A degradação é tão vasta e funda que algum dia teria de ser assumida pelos governantes da autarquia. Nem o programa Pólis pensou num assunto que muitas cidades concretizaram há muito tempo. Além da requalificação do ruinoso edificado com definição de novas funções, o governo da cidade também não se preocupou em fomentar a investigação das suas raízes e dos itinerários históricos que fazem da memória, cultura e identidade. Nunca teve um objetivo e um plano. Bastaram promessas retóricas e retoques maquilhadores. Agora, se quiser mesmo avançar, tem uma enormíssima carga que vai demorar a desmontar. Conhecimento do lugar e do seu espírito, funções urbanas a instalar e desenvolver, plano, financiamento (presumo que do PRR) e execução. Anos e anos. Assim seja.
Em tempos, contei aqui uma história relativa ao conhecimento que tínhamos de Amato Lusitano. Andando de citação em citação, não houve o cuidado de verificar se tinham suporte em fontes documentais. Até que o médico David de Morais publica, em 2011, um livro (“Eu, Amato Lusitano - no ano do V Centenário do seu nascimento”) que veio pôr à prova muito do que antes se publicara. Abriu um caminho que falta continuar. Por exemplo, que mais rastos ficaram em Portugal do nosso ilustre conterrâneo do mundo e que outros rastos se podem encontrar nos países onde exerceu medicina e investigou?
Algo de parecido aconteceu com a história que nos contaram de que teria havido uma Judiaria em Castelo Branco. Havia financiamentos a estrelejar e, portanto, pressa. Colocaram uma estrela de David no chão, à entrada da rua D’Ega, e ficou a ideia de ali se ter localizado a primeira rua de um bairro onde os cristãos-novos se concentrariam como num gueto. Seguindo a rua D’Ega e cortando à direita para a rua da Misericórdia, suspeitou-se que um portal com parecenças com o que encima a entrada da sinagoga de Castelo Vide só poderia pertencer à sinagoga. Acontece que, tal como no caso da investigação de David de Morais, bastou uma investigação do historiador Jorge Martins publicada, em 2015, numa revista municipal da Guarda (em Castelo Branco há apenas a revista “Materiaes” da Sociedade de Amigos do Museu Tavares Proença) para colocar em causa o que se supôs ser a localização da sinagoga e, sobretudo, de uma Judiaria com a configuração historicamente conhecida de outros locais. A investigação sobre interrogatórios da Inquisição de cristãos-novos, realizados no século XVI em Castelo Branco, testemunha que existia uma sinagoga, sim, mas na rua Nova. Apesar disso, continua de pé uma placa informativa na rua da Misericórdia, junto à presumida sinagoga. Jorge Martins também abriu pistas para que se possa asseverar que os cristãos-novos residiam em várias ruas e, até, fora das muralhas.
Citei os dois exemplos para realçar a superficialidade da memória e dos equívocos que criámos. Bastou que dois investigadores tocassem pontualmente em dois casos para evidenciar a enormidade do nosso desconhecimento. Em contrapartida, criaram-se ficções instrumentalizadas pela política que instituíram uma cultura de cidade pobre e, em certos casos, deformada.
Se a nova direção da autarquia quiser realizar, como proclamou na campanha eleitoral, um projeto de requalificação da colina do Castelo tem de partir do conhecimento histórico para sustentar as várias valências urbanas de um programa desta natureza e dimensão.

mcosta.alves@gmail.com

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