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Crónica: Debita nostra CLXXIV

Luís Costa - 04/11/2021 - 9:40

Os ‘projetos’ dos atores (sociais) encontram-se, uns relativamente aos outros, em reciprocidade de perspetivas, o que impõe ao mesmo tempo um esforço para definir a estrutura de um campo de ação e o reconhecimento das negociações por meio das quais esses projetos se ajustam uns aos outros.” (Alain Tourraine, 1970, “A Sociedade Pós-industrial”, pp. 160).
Não se pode menosprezar o impacto da disputa entre lucros e salários (Adam Smith, 1776) na corrosão da ‘consciência comunitária’ das sociedades tradicionais. O que não quer dizer que a discutível ideia de que, de um somatório de escolhas individuais (em suposto pé-de-igualdade), resultaria o equilíbrio social (Debita nostra CLXII), tenha de imediato vingado. 
Embora a arregimentação do proletariado industrial se tenha feito sob o lema da ‘liberdade’ contratual (individual), com os resultados que se conhecem, a sua miserável condição foi convocando novos vínculos de entreajuda, que não de “coesão social”. 
Fora despoletado um “temível conflito” (Rerum Novarum) que, segundo Durkheim, obrigara à ‘reinvenção’ das solidariedades. Distinguindo a espontânea (“mecânica”), característica das sociedades tradicionais, da “orgânica” (construída), necessária à coesão das sociedades modernas, no seu ‘programa’ individualizante.
E que ‘hercúleos’ trabalhos exigiu tal processo de ‘construção’! Sem desprimor para as conquistas do ‘individual’, não tivessem elas vindo a descambar num desbragado ‘culto’, mais conforme àquela liberal tese de que do ‘individualismo’ adviria a derradeira “coesão”.
Ora, não tendo sido muito auspiciosas, já na sua perspetiva materialista, as construções sociais fundadas no referido “conflito”, e nas correspondentes purgas, olhemos agora para este ‘culto’, naquilo em que tende a ressalvar o ‘diferente’ como fronteira do ‘individuo’. 
Certamente que ele pode, desde logo, cumprir uma vontade política de adensar a complexidade social, suscitando as ‘resistências’ que Applebaum refere (Debita nostra, CLXXI). E promovendo um ‘desejo’ de restauro da (velha) ordem e/ou do ressurgimento de ‘salvadores’ providenciais. Mas não só.
Pode igualmente querer reforçar os “projetos” dos atores sociais ‘diversos’, desvelando clivagens no seu acesso à definição dos ‘padrões sociais’ comuns e sobrelevando as respetivas identidades. Se é que não ‘espicaçar’ as questões mais fraturantes ou promover ideais ‘libertários’, na perspetiva de um outro ‘padrão social’.
O que acontece é que, por tal intuito, ou antigos reflexos políticos, esquece como o ‘individualismo’ é ele próprio um ‘padrão social’, sedimentado nas demandas da ‘direcionada’ liberdade industrial. E que, em substância, o que nos une pode ser “muito mais que aquilo que nos separa”. Empedernindo, assim, a procura do condomínio (tabuleiro) em que se possam mover as peças de um qualquer jogo (contrato) social. 
E se, para que este vingue, se torna indispensável reivindicar uma “reciprocidade (equilíbrio) de perspetivas (poderes)” entre os atores sociais, importa ainda “um esforço para definir a estrutura de um campo de ação”.
A não ser que se entre em jogo com qualquer tipo de reserva mental!

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