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Leitores: Castelo Branco. O Barrocal desde a minha janela

João Carvalhinho - 13/06/2019 - 9:29

Da minha janela vejo o Barrocal. Paisagem admirável, o sul da Beira Baixa, o vale do Ponsul que se distingue pelo branco da névoa matinal, a Serra de São Mamede com a sentinela em Marvão, e o Sol a irromper por detrás do Monte de São Martinho.

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Da minha janela vejo o Barrocal. Paisagem admirável, o sul da Beira Baixa, o vale do Ponsul que se distingue pelo branco da névoa matinal, a Serra de São Mamede com a sentinela em Marvão, e o Sol a irromper por detrás do Monte de São Martinho.
A minha infância não passou pelo Barrocal de Castelo Branco, como a do Dr. Manuel Costa Alves, mas antes pelo Canchal da Moura no Ninho do Açor. Conheci o Barrocal mais tarde.
Da década de 1980, recordo a imagem de uma planta de um loteamento para o Barrocal, numa montra da Nun’Álvares perto da Estação. Conheci quem adquiriu daqueles “lotes”, com a expetativa de construção de moradias unifamiliares. Percorri trilhos e veredas daquele espaço, pontuado por curiosas e imponentes formas em granito.
Desde o início deste século vivo de frente para o Barrocal, um “pequeno domo granítico” integrado no “grande Plutonito de Castelo Branco, datado de há cerca de 310 milhões de anos” (Carvalho & Rodrigues, 2010). 
Foi em 2004 que a relação da Cidade com o Barrocal começou a mudar. A abertura da via circular expôs o Barrocal aos Albicastrenses. Na verdade, aquela obra que integra a revolução estrutural que Castelo Branco conheceu, iniciada em 1998, aproximou a cidade do seu espaço natural mais importante. Até os críticos de então estão pacificados, a estrada não matou o Barrocal, deu-lhe mais notoriedade.
Anos depois, a autarquia pediu um estudo para aquele espaço singular. A “Proposta de Conservação e de Valorização do Barrocal de Castelo Branco”, desenvolvida pelos geólogos Carlos Neto de Carvalho e Joana Rodrigues, incidiu sobre aquele Sítio de Importância Geológica integrado no Geopark Naturtejo, da Rede Mundial de Geoparques da UNESCO. 
Entre outros aspetos interessantes, foi proposta a classificação como Monumento Natural, pelo notável património geológico, e a instituição de um laboratório natural de educação ambiental, passível de acrescentar valor à oferta turística da região. 
Como corolário da estratégia empreendida e após aturadas negociações, no final do mandato 2009–2013, a Câmara Municipal investiu 650.000 € para adquirir os quase 45 hectares do Barrocal, colocando-os no domínio público.
Seguiu-se a integração do Barrocal no planeamento estratégico da autarquia, que foi discutida e participada. Em 2015, na estratégia urbana Castelo Branco 2030 e, no ano seguinte, no Programa Estratégico de Reabilitação Urbana do Centro da Cidade de Castelo Branco.  O Barrocal passou a ocupar um lugar de relevo na nossa Cidade, não só por ter um elevado valor natural e paisagístico e pela proximidade ao tecido urbano, como também pelo potencial diferenciador do espaço para o recreio e lazer, a educação ambiental e a investigação.
Porém, o consenso desfez-se aquando da elaboração do projeto para o parque do Barrocal.
Não por falta de mérito e competência do ateliê de arquitetura paisagista escolhido, que terá considerado a citada proposta de conservação, elaborada em 2010, e todo o conhecimento detido na academia albicastrense.
As decisões sobre a proposta de intervenção acabaram por ser tomadas num microcosmo. Aqueles, como eu, que então serviam a comunidade no executivo municipal, apenas conheceram uma versão final do projeto, onde pontuavam uns escorregas escaldantes!
Quando foi dado público conhecimento do projeto, a comunidade reagiu com desagrado, veiculado por um movimento de cidadãos interessados e bem-intencionados.
Uma das intervenções estruturantes do nosso ecossistema urbano, que estava em falta, acabou diminuída pela ausência de prévia discussão pública.
O projeto para o Barrocal devia ter sido mobilizador, para concitar a apropriação da ideia pela comunidade. Um excelente momento de participação cívica! Uma oportunidade perdida, por preconceito.
A gestão da coisa pública não pode ser reservada, mas antes transparente, proativa na informação e na participação, para a formulação de iniciativas e para as decisões.
Acrescento a minha preocupação à de muitos concidadãos. O Barrocal não pode ser mais um parque urbano. O Barrocal tem de ser um Monumento Natural.
Espero que a intervenção, que se arrasta, não comprometa a possibilidade de classificação. Aguardo, também, que tudo o que a pode diferenciar – programas de educação ambiental, de interpretação e de investigação, incluindo arqueológica – bem como a erradicação das exóticas invasoras, seja concretizado.
A Pólis constrói-se com a participação dos cidadãos em mais momentos, para além do sufrágio quadrienal.

joao.carvalhinho@sapo.pt

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