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Leitores: Poder dos Museus e o Poder da Memória

José Dias Pires - 19/05/2022 - 9:52

Poder — uma palavra curiosa, uma palavra perigosa: semeia e promove, na correspondência de quem o exerce, as memórias e os esquecimentos.

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Poder — uma palavra curiosa, uma palavra perigosa: semeia e promove, na correspondência de quem o exerce, as memórias e os esquecimentos.
Comungo da ideia de que os museus não são locais contadores de memórias instantâneas, nem espaços recuperadores de esquecimentos perpétuos.
Os museus, que privilegiam o poder de todas as memórias, sempre ajudaram a sentir-me habitado por arrepios de espanto que me vestem por dentro, e capaz de assumir a vontade de não me habituar ao frio do esquecimento.
Os museus, enquanto sítios de aconchego e desassossego, são o refrigério das casas desabitadas e desmoronadas nas memórias dos sentimentos irrepetíveis, desabituadas dos seus moradores e em adiantada fase de diluição no esquecimento. 
Os museus, como as fontes nos oásis, oferecem-nos a água da memória que nos ajuda a olhar por dentro e a ver o interior de todas as coisas, a conhecer e compreender a ignorância e a sabedoria, a sentir que não somos apenas nós e o nosso mundo, e que há uma cidade onde nidifica o centro das memórias. 
Os museus abrem-nos janelas e ajudam-nos a ver o que na cidade se calou ou quiseram calar; preenchem-nos e provam que é possível ouvir o silêncio da luz, o sopro do vento e as cores escondidas pela pressa do dia a dia.
Os museus são fautor de mudança, quando intervêm na comunidade e contribuem para tornar o seu mundo um lugar melhor. 
Sendo um espaço para a fruição coletiva que valida as comunidades, são, também, um lugar de empoderamento individual e de mundividências, de desenvolvimento, de formação, de contributo para a cidadania, de afirmação antidiscriminatória e combatente do preconceito porque alarga a visão dos pequenos mundos e escancara as portas da universalidade, do debate e do pensamento crítico. 
O poder e responsabilidade dos museus está precisamente no seu discurso, nas suas narrativas: múltiplas, críticas, respondentes às necessidades e exigências das memórias e da contemporaneidade, contribuindo para os variados entendimentos do mundo.
Preservar e difundir; propor e compreender: é este o poder dos museus. Um poder que nos ajuda a entender os discursos compostos de sons e silêncio; de plenitude e de vazio; de encanto e desespero; de memória e paciência: os pequenos instantes em que se justificam as eternidades — a felicidade dos outros que é a nossa, na liberdade de escolha.
O poder dos museus está na oferta que fazem à topografia dos nossos esquecimentos (ou ignorâncias); às curvas de níveis projetadas no interior de cada um de nós e que nos levam à escrita do que já não está ou do que ainda não chegou, e cujo dilema da escolha de como as apresentar é tão antigo como o tempo.
Poder — uma palavra curiosa, uma palavra perigosa: semeia e promove, na correspondência de quem o exerce, as memórias e os esquecimentos.
José Dias Pires

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