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55.º Dia Mundial da Paz - 1 de janeiro Mensagem do Papa

- 30/12/2021 - 9:11

Diálogo entre gerações, educação e trabalho: instrumentos para construir uma paz duradoura.

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1. «Que formosos são sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz» (Is 52, 7)!
Estas palavras do profeta Isaías manifestam a consolação, o suspiro de alívio dum povo exilado, extenuado pelas violências e os abusos, exposto à infâmia e à morte. Sobre esse povo, assim se interrogava o profeta Baruc: «Por que estás tu em terra inimiga, envelhecendo num país estrangeiro? Contaminaste-te com os mortos, foste contado com os que descem ao Hades» (3,10-11). Para aquela gente, a chegada do mensageiro de paz significava a esperança dum renascimento dos escombros da história, o início dum futuro luminoso.
Ainda hoje o  caminho da paz – o novo nome desta, segundo São Paulo VI, é  desenvolvimento integral [1] – permanece, infelizmente, arredio da vida real de tantos homens e mulheres e consequentemente da família humana, que nos aparece agora totalmente interligada. Apesar dos múltiplos esforços visando um diálogo construtivo entre as nações, aumenta o ruído ensurdecedor de guerras e conflitos, ao mesmo tempo que ganham espaço doenças de proporções pandémicas, pioram os efeitos das alterações climáticas e da degradação ambiental, agrava-se o drama da fome e da sede e continua a predominar um modelo económico mais baseado no individualismo do que na partilha solidária. Como nos tempos dos antigos profetas, continua também hoje a elevar-se  o clamor dos pobres e da terra [2] para implorar justiça e paz.
Em cada época, a paz é conjuntamente dádiva do Alto e fruto dum empenho compartilhado. De facto, há uma «arquitetura» da paz, onde intervêm as várias instituições da sociedade, e existe um «artesanato» da paz, que nos envolve pessoalmente a cada um de nós [3]. Todos podem colaborar para construir um mundo mais pacífico partindo do próprio coração e das relações em família, passando pela sociedade e o meio ambiente, até chegar às relações entre os povos e entre os Estados.
Quero propor, aqui,  três caminhos para a construção duma paz duradoura. Primeiro, o  diálogo entre as gerações, como base para a realização de projetos compartilhados. Depois,  a educação, como fator de liberdade, responsabilidade e desenvolvimento. E, por fim,  o trabalho, para uma plena realização da dignidade humana. São três elementos imprescindíveis para tornar «possível a criação dum pacto social» [4], sem o qual se revela inconsistente todo o projeto de paz.
2. Dialogar entre gerações para construir a paz
Num mundo ainda fustigado pela pandemia, que tem causado tantos problemas, «alguns tentam fugir da realidade, refugiando-se em mundos privados, enquanto outros a enfrentam com violência destrutiva, mas, entre a indiferença egoísta e o protesto violento há uma opção sempre possível: o diálogo, [concretamente] o diálogo entre as gerações» [5].
Todo o diálogo sincero, mesmo sem excluir uma justa e positiva dialética, exige sempre uma confiança de base entre os interlocutores. Devemos voltar a recuperar esta confiança recíproca. A crise sanitária atual fez crescer, em todos, o sentido da solidão e o isolar-se em si mesmos. Às solidões dos idosos veio juntar-se, nos jovens, o sentido de impotência e a falta duma noção compartilhada de futuro. Esta crise é sem dúvida aflitiva, mas nela é possível expressar-se também o melhor das pessoas. De facto, precisamente durante a pandemia, constatamos nos quatro cantos do mundo generosos testemunhos de compaixão, partilha, solidariedade.
Dialogar significa ouvir-se um ao outro, confrontar posições, pôr-se de acordo e caminhar juntos. Favorecer tudo isto entre as gerações significa amanhar o terreno duro e estéril do conflito e do descarte para nele se cultivar as sementes duma paz duradoura e compartilhada.
3. A instrução e a educação como motores da paz
Nos últimos anos, diminuiu sensivelmente a nível mundial o orçamento para a instrução e a educação, vistas mais como despesas do que como investimentos; e, todavia, constituem os vetores primários dum desenvolvimento humano integral: tornam a pessoa mais livre e responsável, sendo indispensáveis para a defesa e promoção da paz. Por outras palavras, instrução e educação são os alicerces duma sociedade coesa, civil, capaz de gerar esperança, riqueza e progresso.
Ao contrário, aumentaram as despesas militares, ultrapassando o nível registado no termo da «guerra fria», e parecem destinadas a crescer de maneira exorbitante [12].
Por conseguinte é oportuno e urgente que os detentores das responsabilidades governamentais elaborem políticas económicas que prevejam uma inversão na correlação entre os investimentos públicos na educação e os fundos para armamentos. Aliás a busca dum real processo de desarmamento internacional só pode trazer grandes benefícios ao desenvolvimento dos povos e nações, libertando recursos financeiros para ser utilizados de forma mais apropriada na saúde, na escola, nas infraestruturas, no cuidado do território, etc.
4. Promover e assegurar o trabalho constrói a paz
O trabalho é um fator indispensável para construir e preservar a paz. Aquele constitui expressão da pessoa e dos seus dotes, mas também compromisso, esforço, colaboração com outros, porque se trabalha sempre com ou para alguém. Nesta perspetiva acentuadamente social, o trabalho é o lugar onde aprendemos a dar a nossa contribuição para um mundo mais habitável e belo.
A pandemia Covid-19 agravou a situação do mundo do trabalho, que já antes se defrontava com variados desafios. Faliram milhões de atividades económicas e produtivas; os trabalhadores precários estão cada vez mais vulneráveis; muitos daqueles que desempenham serviços essenciais são ainda menos visíveis à consciência pública e política; a instrução à distância gerou, em muitos casos, um retrocesso na aprendizagem e nos percursos escolásticos. Além disso, os jovens que assomam ao mercado profissional e os adultos precipitados no desemprego enfrentam hoje perspetivas dramáticas.
Particularmente devastador foi o impacto da crise na economia informal, que muitas vezes envolve os trabalhadores migrantes. Muitos deles – como se não existissem – não são reconhecidos pelas leis nacionais; vivem em condições muito precárias para eles mesmos e suas famílias, expostos a várias formas de escravidão e desprovidos dum sistema de previdência que os proteja. Mais, atualmente apenas um terço da população mundial em idade laboral goza dum sistema de proteção social ou usufrui dele apenas de forma limitada. Em muitos países, crescem a violência e a criminalidade organizada, sufocando a liberdade e a dignidade das pessoas, envenenando a economia e impedindo que se desenvolva o bem comum. A resposta a esta situação só pode passar por uma ampliação das oportunidades de trabalho digno.

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