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Leitores: A Biblioteca Municipal António Salvado. Em sete parágrafos por ser o seu número

António dos Santos Pereira - 20/07/2023 - 11:02

Nas últimas oito décadas, não houve Leitor Maior do que António Salvado em Castelo Branco e os seus responsáveis camarários fizeram-lhe justiça nestes últimos dias ao ligar o seu nome à sua Biblioteca Municipal. 

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1. A Razão da Memória é o Bem, que dela há de vir, como entendemos na Crónica d’El Rei D. Pedro I, da autoria do pioneiro da História, que nos apaixona, o vetusto Fernão Lopes. Na sua esteira, os ditos modernos confirmam que a memória desenvolve o sentido de comunidade ou de pertença. As bibliotecas são lugares vivos de Memória e ocupam o merecido lugar central nas cidades mais progressivas como acontece atualmente em Castelo Branco. Cumpre a estas instituições milenares arrolar a informação qualificada disponível em todos os suportes manuseáveis para apropriação dos leitores que servem no seu afã. 

2. Nas últimas oito décadas, não houve Leitor Maior do que António Salvado em Castelo Branco e os seus responsáveis camarários fizeram-lhe justiça nestes últimos dias ao ligar o seu nome à sua Biblioteca Municipal. Ele foi tudo o que se pode ser para uma biblioteca: leitor permanente, autor de talento, editor sem preconceito, tradutor das latinidades, mas apetente do global, promotor de edições, poeta laureado e emérito cidadão, mais ainda, amigo das gentes. O autor presenteou a sua biblioteca como uma noiva a quem se dá o anel da aliança, publicitou nela as suas obras e as de outros, fez congressos e nunca esqueceu também a Biblioteca do seu Liceu, atual Escola Secundária Nuno Álvares, onde foi frequente e era vizinho. Nós encontrámo-lo a caminho da velha Biblioteca Nacional e da nova e de todas as livrarias em Lisboa. Foi ele que dotou o Museu Francisco Tavares Proença Júnior de uma livraria, fez dele Escola de Artes e de Letras, oficina, montra dos saberes e realizações de gentes de todo o orbe e tornou-o editor. 

3. Quando nos debruçamos sobre a sua obra, percebemo-lo sempre na esfera superior da Cultura, digno de enfileirar junto dos autores fundadores da Portugalidade Letrada, mas interventora nas esferas, hoje ditas, do desenvolvimento e da promoção da dignidade humana: Santo António, D. Dinis, D. Duarte, Luís de Camões, Pe. António Vieira, Almeida Garrett, Antero de Quental, Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa. Nesta mais alta esfera, não conheci autores que não fossem apaixonados por livros. No entanto, António Salvado foi sempre um pouco mais além, pois cada obra sua era semente que ele enviava a uma lista extensa de grandes leitores e autores da “Nação”, onde eu entrei, ainda que tardiamente e mais não pude do que tentar percebê-lo como deve parecer a quem leia as “Sépalas da Claridade”, que são mais suas do que minhas. Entendi nele aquilo que Thomas Morus deixa na figura de Rafael Hitlodeu da sua Utopia: um portador de livros nas sucessivas viagens da vida para bem de quem encontrava. O nosso António Salvado fez a última viagem e a edilidade albicastrense quis apontar o seu nome a esta nau de livros beirã a navegar o futuro no centro da cidade. 

4. As bibliotecas apontam o rumo do desenvolvimento do homem integral. Cada uma deve fornecer ao mundo as novidades dos seus autores mais próximos, promovê-los e facilitar a chegada dos mais distantes. No fundo humanista da Biblioteca António Salvado, fica a obra do seu patrono e no cimo o seu nome.  Com este ato de justiça que o Município levou a cabo, prova-se mais uma vez que os autores de génio não morrem, mas são apropriados pelos coletivos das cidades, das pátrias e do mundo. Cabe-nos, pois, tomar a voz neste coletivo e abrir caminhos ao estudo e entendimento da obra de António Salvado nos espaços privilegiados para o efeito que nomeia em Castelo Branco. ~

5. O futuro dirá o que fazer e em que companhia ir, para além dos trabalhos de boa vontade que sempre aparecem como foi o meu. Entendo que a obra do poeta deve ser reunida a partir dos seus originais e tornada matéria de estudos aprofundados, depois de dicionarizada. Também me parece que devem ser previstas Jornadas Salvadianas que não impliquem a realização exclusiva em Castelo Branco, mas possam ser assumidas por instituições sedeadas em outros lugares, bibliotecas e museus, escolas e autarquias, de maior ou menor vulto. Os seus espaços de privilégio serão sempre os primeiros: Castelo Branco e todas as suas instituições; a Covilhã e a universidade beirã; Salamanca e as suas universidades peninsulares e ibero-americanas, o Fundão e os seus jornais. Não fiquem sem justiça os mais telúricos lugares da Beira, como Monsanto, por que era apaixonado. Talvez ficasse bem um “Rota Salvadiana”, colhida a partir da sua obra, com poemas gravados nos seus principais pontos. Os temas a desenvolver nas realizações propostas devem ir além da dimensão poética de António Salvado, hoje universalmente aceite, às marcas que deixou e promoveu: na Literatura em Geral e na Cultura; na Escola e na Pedagogia; nos Museus e na Sua Nova Museologia; na Biblioteconomia; nas Artes Plásticas; e na Música. Não digo na Saúde e na Medicina, pois as suas Jornadas são também da sua esposa, Adelaide Salvado, e do amigo, António Lourenço, e hão de continuar a realizar-se como há mais de três décadas e ser momento de empenho de uma multidão de gente da Ciência e da Cultura, que já arrolei e são caso único em Portugal.

6. Depois do confinamento, que marcou os últimos anos das nossas vidas e nos retirou alguns, estamos ansiosos por atos coletivos, por dar vida às instituições e partilhar o melhor de nós. Os grandes entendem-se entre si e no aristotélico “claro lume”, ou na “claridade” que geram, quando se encontram, aportam os valores que a todos devem conduzir. 

7. António Salvado entendeu os maiores, desde os clássicos aos contemporâneos, publicou matéria sobre alguns e tinha admiração por outros, como os ditos acima, e os que acompanhou em três gerações desde os anos cinquenta do século passado. Em Castelo Branco, feito, agora, património imaterial, numa divina noosfera, arauto da paz universal, em “inversa narração” contra a discórdia, ele continua a empenhar a sua elite e, com ela, todos os homens de boa vontade no caminho da Verdade, do Bem e do Belo, que é dizer do Paraíso, com que fechou a sua obra enquanto vivo e de que nos honramos, sendo testemunhas.  

 

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