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A crónica do Tomé: E regressei ao Oriente, tranquilo!

Vitor Tomé - 12/05/2022 - 9:56

A crónica de abril é modesta. Vamos só de Oeiras a Castelo Branco e voltamos, com escalas breves no Vale da Mua e em Malpica do Tejo.

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A crónica de abril é modesta. Vamos só de Oeiras a Castelo Branco e voltamos, com escalas breves no Vale da Mua e em Malpica do Tejo.
Cheguei à Biblioteca Municipal de Oeiras às 16:00 de sábado, 23 de abril. O convite para os 25 anos da instituição viera dias antes, em dois passos comemorativos: i) assistir à apresentação do livro “Biblioteca: narrativas”, que reúne alguns dos melhores escritores portugueses; ii) participar num debate sobre a importância das bibliotecas, do livro e da leitura.
Agradeci o primeiro e interroguei-me com o segundo. “Que poderia eu acrescentar a este tema, sentado à mesma mesa que a comissária do Plano Nacional de Leitura, Teresa Calçada, a académica Gina Lemos, a bibliotecária Sofia Pinto e a booktuber Mariana Banal Girl?”, perguntei-me eu. Mas disse logo que sim ao chefe da Divisão de Bibliotecas do Município de Oeiras, Gaspar Matos. Esta mania que eu tenho, de dizer que sim, resultou! Afinal, não era o que eu ia acrescentar ao debate que importava, mas o que o debate me acrescentaria a mim. Nós, os portugueses, lemos pouco, sobretudo livros. “E se a lacuna é maior entre os adultos, como resistirão, enquanto leitoras, as crianças, se também aprendem por mimetismo, com esses adultos que não leem?”. Lendo! Lendo o mundo através dos livros e dos sinais de escrita, analógicos e digitais, do quadro preto ao Book Tok. Mas lendo. Sempre!
Sempre… como no 25 de abril, o de 1974, quando, com cinco anos, lia eu o mundo sem saber interpretar as letras ou as suas combinações. Por isso, a dois dias de comemorar 48 anos desse 25, dediquei-lhe a véspera a ler! O relógio tocou às 6h45 de domingo. Não foi uma azáfama. Mas estava à pressa, como se se tratasse da minha primeira viagem de comboio. Chegado ao Oriente, o de Lisboa, ocupei o lugar 112 da carruagem 21 e lá fui eu para a nossa terra. A ler!
“No seu sentido mais forte, democracia significa um poder que não tem representação, que é exercido diretamente. O sistema representativo, tal como funciona na Europa desde o século XIX, foi criado por medo da democracia. A ideia subjacente é a de que o poder das massas, ou da maioria, é perigoso. E o sistema representativo surge para impedir o que seria uma democracia efetiva”, afirmou, ao Expresso, Jacques Rancière, “o mais importante filósofo francês vivo”, segundo a Luciana Leiderfarb. Que excelente entrevista!
Ia eu em Abrantes! Quilómetros à frente, a leitura já era outra, com um imaginado cheiro a tabaco, do SG Gigante do Sérgio Godinho: “No 25 de Abril, eu estava em Vancouver. Quando vim para Portugal definitivamente, em setembro, e se falava das conquistas ‘irreversíveis’... eu tinha estado envolvido no Maio de 68 e sabia que as conquistas são irreversíveis até [deixarem de ser]. A liberdade está sempre em construção”.
“Bem-hajas Sérgio”, pensei eu, na escuridão do túnel em que o comboio mergulha quando passa as Portas de Ródão. E Castelo Branco era logo ali. Cheguei. Por amizades antigas, pode um ser normal como eu usufruir do privilégio de ter um carro à espera na Estação. E seguiu-se um dia dedicado à Beatriz e à Margarida. Porque mais importante que ler o mundo, é preciso ler os filhos. E levá-los a ler o mundo connosco!
O mundo estreitou de Castelo Branco para o Vale da Mua, onde o peixe do rio e o borrego justificaram não termos ficado na cidade. “E a paz, pai. E a paz. Que tu, lá, conheces toda a gente. Aqui só conheces alguns”, disse a Beatriz. E foi a paz de uma conversa de horas que nos levou, depois, ao Largo Dr. Pedro da Fonseca, em Proença-a-Nova, com água fresca sob céu azul, onde a conversa sobre o mundo… flui!
Próxima estação? “Malpica do Tejo”, reclama a Margarida, com um sorriso natural que o excesso de maquilhagem não consegue esconder! Vamos então: “Por que há guerra?”, “Como conseguimos ser livres?”, “Por que razão há adultos que precisam de ursinhos?”, “Há amigos para sempre?”, “Por que não fazemos caminhadas?”. E chegamos a Malpica do Tejo.
Depois de uma breve incursão no interior da aldeia, estacionamos à entrada, no Café Sacul. Os dois senhores da Esplanada retribuem-nos a “Boa tarde”. Lá dentro, não. Foi muito futebolístico. Entrámos três e saíram os três que estavam sentados ao balcão. Três raspadinhas e um boletim de Euromilhões registado depois, chegou uma senhora que as cumprimentou amavelmente. E a senhora atrás do balcão deve ter-nos lido como pessoas decentes.
Nos pouco mais de 20 quilómetros que se seguiram falámos sobre a natureza das pessoas e a natureza das coisas. E houve revolta. Mas eu, a quem os anos começam a pesar, trouxe água para a fogueira:
- “Põe-te nos sapatos deles! Nunca digas mal de alguém sem teres andado, pelo menos, três dias com os sapatos deles calçados. Consegues ler o que te digo?” - … (depois digo-vos)
E regressei ao Oriente, tranquilo!
Vitor Tomé

 

COMENTÁRIOS

JMarques
à muito tempo atrás
Sempre se acrescenta algo, mesmo que seja uma subtração.