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A Democracia e o Mercado

Luís Beato Nunes - 28/04/2016 - 14:45

“La Démocratie et le Marché” é o título original do livro de 2004 do economista francês Jean-Paul Fitoussi onde este analisa a relação entre a liberdade política dos regimes democráticos e o livre funcionamento dos mercados, manifestando a sua preocupação pela sobreposição da esfera do mercado sobre as liberdades políticas consagradas na organização política da democracia.

De facto, o livro começa com a constatação de que nas velhas democracias ocidentais, sobretudo nos EUA, o livre funcionamento do mercado é considerado como demasiado importante para ser controlado pela esfera política. Contudo, o significativo, e contraproducente, aumento das desigualdades da distribuição de riqueza resultante desse livre funcionamento do mercado parece colocar em causa os próprios princípios democráticos.

Deste modo, Jean-Paul Fitoussi manifesta a sua preocupação pelo facto de a preponderância do livre funcionamento do mercado poder colocar em causa a justa distribuição de riqueza pelos vários agentes económicos, afectando as suas relações de poder e consequentemente o seu relacionamento político.

Num mundo cada vez mais globalizado, onde imperam os caprichos dos mercados, é preocupante que se assista a uma defesa incondicional destes caprichos sem ter em conta as consequências da organização política das várias sociedades, nomeadamente o equilíbrio de poder entre os vários cidadãos.   

Ora, analisando com maior detalhe esta relação aparentemente turbulenta entre mercado e democracia, Jean-Paul Fitoussi conclui que “o mercado e a democracia são (…) complementares e não substituíveis” (pág. 17), uma vez que a democracia impede a exclusão pelo mercado, e este último promove uma eficiente alocação de recursos, cuja justiça social deve ser supervisionada pelas instituições democráticas.

A democracia tem necessariamente uma presença local, o que explica a diversidade das suas formas institucionais, mas esta presença local ou regional pode muitas vezes ser ameaçada pela liberalização internacional dos mercados, os quais podem forçar e manipular o funcionamento das instituições democráticas, adulterando os seus ideais e corrompendo os seus representantes.

Nas últimas páginas do seu livro, Jean-Paul Fitoussi discute a relação entre democracia e globalização, defendendo que esta aumenta a insegurança económica, devido à concorrência fomentada pela livre circulação de capitais entre os vários países, sendo necessário também a nível global obter um compromisso entre o livre funcionamento dos mercados e os direitos políticos dos vários cidadãos do mundo.

Ora, precisamente numa semana em que se celebra o aniversário da jovem democracia portuguesa que nos últimos anos tem sido insistentemente fustigada pelos ditames dos mercados, sejam eles globais ou europeus, é fundamental preservar as liberdades e garantias políticas conquistadas há mais de 40 anos.

Assim, e apesar de o livre funcionamento do mercado ter acompanhado as mudanças políticas no país, sobretudo após 1976, tendo-se consolidado esta tendência com a decisão de adesão à família política europeia em 1986, é igualmente importante que o país não abdique dos valores democráticos que a todos nos inspiram a lutar por uma sociedade mais justa.

                                                                                                                                             luis.beato.nunes@gmail.com

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