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Leitores: Ainda em defesa da magnífica obra poética de António Salvado. Colocando um ponto final numa triste e injustificada polémica

Gonçalo Salvado* - 12/10/2023 - 10:08

Resposta ao artigo saído no jornal “Reconquista”, nº 4047, de 4 de Outubro de 2023, p. 30

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Resposta ao artigo saído no jornal “Reconquista”, nº 4047, de 4 de Outubro de 2023, p. 30

A fotografia que escolhi para acompanhar estas palavras tem quase cinquenta anos. Toda uma vida. Nela me encontro, junto do meu pai, de sorriso iluminado, talvez por estar a sentir no meu ombro, no preciso momento do disparo da máquina a proteção carinhosa da sua mão. Mal sabia eu que passados estes anos todos seria eu a protegê-lo, ou mais concretamente, a defender a imagem pública e exterior da grandeza da sua Obra poética, para mim, como para muitos, de inquestionável valor. Digo exterior pois a sua grandeza intrínseca não carece de defesa, continua e permanece, incólume. 
Por mais que alguém a tente amesquinhar, diminuir, vituperar, espezinhar, a sua Obra erguer-se-á sempre aos olhos dos verdadeiros entendidos (e escrevo isto sem qualquer pose), como uma das mais fascinantes, sólidas e singulares aventuras poéticas do século XX português. Um extraordinário e poderoso monumento de palavras para utilizar uma expressão cara a David Mourão-Ferreira, que, diga-se de passagem, muito admirava os versos de meu pai. Magnífica Obra Poética, pois, a do meu pai, o grande Poeta António Salvado. Eu soletro devagar para os mais falhos de inteligência crítica e capacidade judicativa: MAG-NÍ-FI-CA!  
Mil vezes o repetiria, se necessário fosse. Com toda a convicção, cimentada ao longo dos anos e das décadas, fruto, digo e repito-o, do meu profundo e laborioso conhecimento da poesia escrita em língua portuguesa, que tenho lido com uma grande atenção crítica e antologiado com dignidade e paixão, desde os seus primórdios à atualidade. 
A hipocrisia possui muitos rostos; a pior, a meu ver, é a da desonestidade intelectual. A pior e a mais perversa. Eu não acredito que haja alguém, no seu perfeito juízo crítico e que se diz entendedor de poesia que, ao debruçar-se sobre a Obra poética de António Salvado, não veja ali, um grande poeta. 
E digo isto sem qualquer ênfase, acreditem. Faço esta afirmação sem qualquer tipo de floreados, certo de que o que estou a afirmar é profundamente verdade. O meu pai António Salvado é um grande poeta e a sua obra é magnífica. Afirmo-o, não só afetivamente, mas, efetivamente. Efetivamente, a Obra de A.S. reveste-se de uma imensidade inegável e inigualável na poesia lusíada do seu tempo, devo acrescentar. É comparável à grandeza da de outros poetas portugueses? Mas claro que sim. E em muitos casos é deveras maior. 
Muitos poetas contemporâneos canonizados pela moda não valem um verso do meu pai. Duvido que a fragilidade das suas obras subsista à implacável voragem do tempo, sempre impiedosa, sem comiseração por ninguém. Poderia elencar os nomes de que se revestem dessa fragilidade, não vou fazê-lo, nem a mim me cabe, sabendo que a posteridade se encarregará disso. Mesmo que os seus poemas integrem antologias na atualidade consideradas “críticas” e “importantes” (muitas delas forjadas e pré-fabricadas, refira-se de passagem), publiquem os seus livros em editoras de referência, que surjam nos escaparates das Fnacs e das Bertrands, que mobilizem críticos e académicos, que deem a ilusão prestidigitadora do contrário, as suas Obras serão um dia pó, e nada mais do que pó. Ou meras curiosidades literárias impregnadas de bafio. Não assim com a Obra poética de António Salvado. Podeis estar certos. Vocacionada para a imortalidade. Pela essencialidade dos seus temas que são a própria respiração do humano inspirado pelo divino, pela perfeição de uma forma que assimilou e transcendeu, transfigurando a lição dos clássicos. Em suma: a Obra poética de António Salvado, pela sua grandeza imanente – que salta à vista dos verdadeiros apreciadores da poesia genuína – dispensa qualquer comparação com outra. Pode desde já considerar-se um verdadeiro clássico da poesia portuguesa.
Por outro lado, só um insensato coloca em causa o parecer crítico de uma individualidade única na cultura portuguesa como foi a imensa Natália Correia. E para cúmulo gabando-se e divulgando isso como um grande feito da sua biografia. Quem com ela privou de perto sabe o que quero dizer. Natália era tudo menos pródiga em elogios e não os desbaratava com ninguém. Ciosa da sua enormidade reflexiva, o outro lado (racional) do seu génio. Uma afirmação de Natália é para ser gravada em mármore. Para sempre. Se ela afirmou que o meu pai é um grande poeta, isso não tem discussão. Se basta este parecer para qualificar uma Obra? É evidente que sim. Vindo de quem é: uma das maiores intelectuais da História da Literatura Portuguesa. Este parecer escusa todos os outros, que só seriam – e continuam a ser – em minha opinião, meramente assessórios ou redundantes. A exemplo do que escreveu, Marguerite Yourcenar, outra grande personalidade inquestionável, sobre a poesia de Eugénio de Andrade, em carta que lhe dirigiu, no parecer que entre todos, ele mais prezava: “Ce clavecin bien tempéré de vos poèmes...” (“Esse cravo bem temperado dos seus poemas...”).
A nossa época enferma de um mal pandémico. Tudo se põe em causa, tudo se discute em praça pública, por vezes da maneira mais reles, grosseira e irresponsável, numa atitude contestatária de adolescente arreliado e rebarbativo, imaturo e minado de acne mental. (E quantos adolescentes serôdios, há por aí, meu deus! Alguns, claramente malévolos). A figura da Autoridade deixou de existir. Para muitos, já não há autoridades, Mestres, em nenhuma matéria e em coisa nenhuma. No meu caso, devo dizer, o vírus não se apoderou do meu pensamento adulto e não me toldou o discernimento. Para mim, ainda existem, de facto, Mestres, Autoridades, em muitos assuntos. Na Poesia, Natália Correia foi, é – e continuará sendo – uma delas. A sua opinião vale como canónica.  
E você, estimado leitor deste artigo. Não quer confirmar, como Natália Correia, a grandeza poética de meu pai? Muitos dos livros de António Salvado encontram-se disponíveis, à venda na Biblioteca Municipal, em boa hora batizada com o seu nome, em Castelo Branco. Um batismo que constitui toda uma honra para a cidade. E que muito a engrandece.  

*Poeta

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