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Leitores: A ditadura da folha Excel

Margarida Ataíde Ribeiro - 04/01/2024 - 10:28

Quem não se lembra da penosa intervenção imposta durante a crise financeira que se seguiu à queda do Lehman Brothers, com a descida dos salários e o congelamento das carreiras, e a ditadura das Finanças que se seguiu?

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Quem não se lembra da penosa intervenção imposta durante a crise financeira que se seguiu à queda do Lehman Brothers, com a descida dos salários e o congelamento das carreiras, e a ditadura das Finanças que se seguiu?

Esse legado está entranhado na atividade de gestão dos organismos públicos, o que interessa são as contas certas e, de preferência, conseguir um excedente.

Esta prática vem de longe, as contas certas de Salazar, e passo a citar o lúcido editorial de João Pereira Vieira (Expresso: 15 de setembro de 2023): “Nos últimos anos temos assistido a um reforço do centralismo das Finanças na estrutura política do país. “…” Basta lembrar que foi por meio de uma gestão férrea das Finanças e da capacidade de recuperar da grave crise financeira em que se encontrava Portugal, que Salazar ganhou o estatuto que o ajudou a instalar a ditadura do Estado Novo. Uma das condições para ter aceitado o cargo era a garantia que, não só passaria a ter o poder de delinear o orçamento de cada Ministério como teria de aprovar as medidas tomadas por cada um.”

As crises financeiras “justificam” as políticas de emagrecimento, a todos os níveis, da qualidade dos serviços públicos ao empenho dos envolvidos e, também, da falta de visão de quem os chefia. Os organismos públicos, em particular as Universidades e os Politécnicos, com a sua autonomia financeira, são muitas vezes geridos com uma visão meramente Exceliana.

Os concursos (obrigatórios pela lei geral) para os vários serviços alocados anualmente (cantinas, por exemplo) são adjudicados em função do seu menor custo e não da qualidade, os elementos flutuantes contratados para colmatar a falta de docentes em certas áreas ou as exigências das agências de acreditação, são feitos por forma a minimizar os custos, mas sem garantir a continuidade e sobretudo a entrega pessoal destes elementos, tão necessários ao turnover das instituições.

A progressão nas carreiras é errática na justiça que contém. Nem sempre se recompensa a qualidade e a dedicação, mas é corrente a não-ética dos favoritismos, muito ao agrado de certas chefias, como forma de remissão de favores antigos ou recentes e, quantas vezes, dos próprios.

Não se pode ter uma instituição a crescer e a tornar-se forte, sem se apostar nas pessoas. Estas são a chave do processo e a falta de reconhecimento disso leva à diminuição da qualidade dos serviços prestados, à regis dos processos burocráticos e à falta de empenho de todos os participantes. O sentimento de pertença, mais que o salário, é o que desperta a energia e a sensação de se trabalhar para o bem comum.

Os líderes não o são se não lhes for reconhecida a sua capacidade de liderança, que sabemos ser constituída pela sua competência no diálogo, na mediação de conflitos, na motivação do outro, no reconhecimento do empenho e dedicação, na auscultação das necessidades de conforto físico e psicológico, mas acima de tudo, pela capacidade de gerir os recursos humanos, levando à criação de redes de trabalho e interajuda que se complementem.

A responsabilização de todos é também necessária e jamais deve imperar a prepotência e o estabelecimento de hierarquias top/down. Todos os recursos são necessários e a gestão financeira é só uma parte do funcionamento fluído das instituições. A hecatombe do ensino, que já se sente no ensino superior, sobretudo devida à diminuição da responsabilização do professor na sua autonomia profissional e ao aumento exponencial das burocracias, que só satisfazem os arquivos mortos, e sugam a capacidade de entrega a esta nobre profissão, a base do futuro do país e da região.

Uma instituição é como um barco a remos, só avança se todos remarem para o mesmo lado e em harmonia.
Liderança, diálogo e visão são uma tricotomia necessária para o crescimento e estabilidade das instituições e da Academia em particular.

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