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Leitores: As profissões e as suas reivindicações. Estudantes, professores e médicos

Francisco Gonçalves - 04/01/2024 - 10:24

Estamos a viver uma encruzilhada resultante dos protestos de grupos sociais e profissionais que pese embora possam ter, em abstrato, razão nas suas reclamações, no concreto, tal não é assim e, porquê?

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Estamos a viver uma encruzilhada resultante dos protestos de grupos sociais e profissionais que pese embora possam ter, em abstrato, razão nas suas reclamações, no concreto, tal não é assim e, porquê? 
Para ilustrar o que acima disse, permitam-me salientar, apenas, algumas das reivindicações de três grupos: estudantes, professores e médicos.  

1. Estudantes
No inicio dos ultimos anos lectivos,  tem havido sempre um clamor devido à dificuldade em arranjar habitação a preços controlados para estudantes que ingressam no ensino superior e que, inexistindo, conduzem ao abandono da frequência das universidades.
Não sei se esta conclusão é verdadeira mas, permito-me lembrar quem nos lê que, quem no distrito de Castelo Branco nos finais da década de 50 e seguintes do sec. XX terminasse a instrução primária – tendo para isso que calcorrear a  pé, todos os dias, entre 2 a 5 Km entre a residência e a escola – só podia prosseguir os estudos em Castelo Branco.
Ora, os pais desses alunos dedicavam-se à agricultura pelo que os recursos eram escassos; para conseguirem que os filhos estudassem encaminhavam-os para os seminários – onde não pagavam – ou tinham que alugar quarto em Castelo Branco.  As crianças de 10 anos, ficavam longe da familia, apenas com a vigilância dos senhorios – pessoas de boa vontade mas, com pouca instrução. Os pais  esforçavam-se para que os seus filhos singrasssem e estes procuravam corresponder mas, perante um meio estranho e sem apoios, muitos abandonaram o estudo  e a possibilidade de ter mundo.
Estamos em pleno Sec.XXI e continuamos a falar da habitação para estudantes; mas não há habitação para estudantes nem para a maioria da população portuguesa e, essa é uma chaga social que em 50 anos de democracia não foi resolvida pela sociedade portuguesa, incluindo todos os partidos representados na Assembleia da Republica e não, apenas, os que já exerceram o poder.
Não façamos dos estudantes actuais uns coitadinhos pois, estamos a falar de estudantes universitários com acesso ilimitado a informação e segundo estudos já efectuados, os alunos de mais parcos recursos são os que  frequentam, em maioria, as universidade privadas. 
Esta distorção social e educativa é que devia merecer um Alerta mas, ninguém o faz,  porque isso não acolhe impacto mediático. 

2. Professores
Os professores e educadores de infancia constituem, “lato sensu”, uma classe profissional capital para o engrandecimento dos países pois, desde a creche à universidade acompanham a formação dos alunos a todos os niveis e é da sua competência e eficiência que eles serão melhores pessoas e excelentes profissionais nas áreas que escolherem. 
Recordo, tal como fiz com os alunos, que quem em tempos idos leccionava no interior, raros eram os professores diplomados mas os chamados “regentes”, pessoas de boa vontade que transmitiam o saber a que tinham acesso com dedicação e a eles o país muito deve. Lembrar-se-ão que no inicio da década de 80, penso eu, esses regentes para terem direito a uma reforma digna - a maior parte já avós - foram obrigados a ir para o magistério durante dois ou três anos tendo muitos deles que deixar a sua habitação e familia para estudarem.
 Nos ultimos anos, os professores desencadearam uma luta que dizem ser a melhor para defender os alunos. A sério? Depois de anos de pandemia com estudo à distância e já com dois anos escolares em que as aulas presenciais leccionadas são escassas, estamos a melhorar a qualidade formativa dos nossos alunos? O que reivindicam?
a) Querem a contagem total do tempo que foi congelado; toda a administração publica do continente viu congelado o seu tempo de serviço, igualmente; muitos,  já se reformaram sem terem a possibilidade de atingir a progressão na carreira. Se aos professores for concedida a contagem de tempo a todos os outros também têm que ser, mas sobre isso o silêncio dos professores é ensurdecedor porque se julgam superiores aos restantes;
b) Querem a colocação como professores em estabelecimentos de ensino perto de casa. É um slogan antigo e sem razão de ser. Quando ingressaram no ensino superior para poderem ser professores e quando acabaram a formação, nenhuma clausula lhes dava esse direito, o mesmo acontecendo quando concorrem às vagas.
Esta situação é igual para todas as profissões em que há concurso de provimento e de acordo com a classificação de desempenho são preenchidas; os professores têm que ser classificados como os demais, não bastando a antiguidade. 
Próximamente, quando forem divulgadas as estatisticas educativas a nivel internacional decerto que os senhores professores nâo assumirão nenhuma quota parte da provável descida nas tabelas. 
Será que se questionam qual a classificação que merecem nestes anos após a pandemia?  

3. Médicos
Estes profissionais estão numa cruzada idêntica aos professores. Todos lhes reconhecemos e aos restantes profissionais deste sector que terão alguma razão. Mas ao longo da existência do SNS têm sido coerentes? Só agora é que nâo há medicos suficientes, é que fazem horas extraordinárias para lá do aceitável e que novos médicos vão para o estrangeiro e não querem o SNS? Pois é. Atendendo à velocidade a que vivemos é normal que esqueçamos muitos factos e só atribuamos importância a noticias do dia que, tal como os politicos, fomentam factos novos que criam novos cenários com o intuito de apagar ou fazer esquecer os anteriores.
Há muitos anos, quando alguém fez um estudo sobre a demografia,  os médicos existentes, a sua idade e a previsibilidade de conseguirem prestar cuidados de saude, chegou-se à conclusão de que com as Universidades existentes e a capacidade para gerar novos médicos, o sistema entraria em colapso.
Começou a discussão sobre a formação de médicos por  privados. Aí entrou a Ordem dos Médicos ao ritmo dos sindicatos – ainda incipientes no sector – e tudo fez para o evitar.
Ao mesmo tempo haviam jovens que queriam frequentar medicina mas não tinham possibilidade de o fazer em Portugal por não haver cursos e os existentes só com média de acesso superior a 18 valores é que o conseguiam.
As familias destes estudantes  endividaram-se para os seus filhos irem estudar para o estrangeiro, Republica Checa, Espanha, Republica Dominicana e vários paises. A Ordem dos Médicos nada fez para ajudar essses estudantes nem para estimular o seu regresso a Portugal após a formação.
Quando, para suprir as deficiências da época o Estado contratou médicos estrangeiros, cubanos, espanhóis, do leste da europa e outros a Ordem e tudo fez para os não reconhecer. Prestaram a Portugal um trabalho inestimável, especialmente nas zonas de interior e, muitos deles cá continuam a ser bons profissionais.
Entretanto os jovens portugueses que foram estudar para o estrangeiro chegaram ao fim a sua formação e quiseram regressar ao país. Novamente a Ordem foi e é uma força de bloqueio pois, primeiro, dificultou o reconhecimento da formação, depois, a todos os jovens médicos portugueses vindo do estrangeiro a nota de acesso atribuida para concurso à  carreira, incluindo a especialidade, era de  10 valores, independentemente da média final poder ser até de 20.
Ao fazermos uma retrospectiva, fácil chegaremos à conclusão que a Ordem e os Sindicatos andaram muitos anos distraídos, em vez de pugnarem pela formação de mais médicos o evitaram, desenvolveram mecanismos de oposição aos novos médicos que se formaram no estrangeiro, tendo muitos se sentido descriminados e voltaram ao estrangeiro para trabalhar. 
Na área da saude a classe dos enfermeiros tem adoptado postura idêntica.
Todos estes intervenientes enchem a boca com a defesa do povo. Se represtinarmos factos e não ficarmos pela espuma dos dias,  chegamos à conclusão que assim não é.
Pretendi com este texto fazer uma leitura de acontecimentos em curso mas, com uma abordagem diversa do que é comum e numa perspectiva de observador atento e distante.
Devo assinalar que sou aposentado da função publica desde 2008 e que passados estes anos, em 2023, ganho menos 250,00€/mês do que quando me aposentei. Percebe-se, porque na função publica os funcionários não são aumentados no ano seguinte à aposentação. Em 2009 houve o aumento Sócrates de que nâo beneficiei e os cortes que sofri até à troika não foram restituidos.
Solidariedade é um valor que a sociedade portuguesa em democracia tem tido dificuldade em incorporar.
 

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