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Cantinho da saudade: Um beirão alentejano no Liceu Nun Álvares

Mário Silva Freire - 29/06/2023 - 11:16

Castelo Branco, Outubro de 1953: acabado de fazer 16 anos, vindo do Liceu de Portalegre, onde se leccionava só até ao 5º ano, entro no Liceu Nun’Álvares para o 6º ano. Novos professores, novos colegas, novo liceu, novo tipo de turma com rapazes e raparigas na mesma sala de aula.

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Castelo Branco, Outubro de 1953: acabado de fazer 16 anos, vindo do Liceu de Portalegre, onde se leccionava só até ao 5º ano, entro no Liceu Nun’Álvares para o 6º ano. Novos professores, novos colegas, novo liceu, novo tipo de turma com rapazes e raparigas na mesma sala de aula. Tudo me era novo.
No Liceu de onde vinha, tinha um Reitor que transgredia as normas então vigentes, no que se refere à separação dos sexos. Ele consentia, ao longo do ano lectivo, na realização de um ou dois bailes, um dos quais no dia do seu aniversário, no próprio Liceu. Dizia ele que os jovens, raparigas e rapazes, tinham que saber conviver para poderem respeitar-se. Agora, nesse novo liceu, em Castelo Branco, na turma de Ciências, onde me integrava com 7 raparigas e 23 rapazes, esse convívio era diário. 
De entre os professores, relembro, com muita saudade, três. 
A professora Arlete, de Filosofia, não distinguia os alunos pelas suas preferências, não havia nela os mais ou menos queridos. Ela vinha ao encontro de cada um, principalmente daqueles, como eu, que mostravam alguma timidez. Fazia-me perguntas e suscitava em mim um sentimento de auto-estima e de auto-confiança por me ter dado a oportunidade de responder àquilo que ela esperava.  
Quanto ao professor José Sena Esteves (Mano Zé) era a personificação da bondade, que não excluía ninguém; era aquele pai que consentia nas irreverências, não ofensivas, dos seus filhos, que repreendia, mas que eles depressa as esqueciam. O seu sentido de justiça, porém, fazia-o distinguir entre quem se interessava pela matéria ou não. Nas suas aulas, embora com algum sussurro, sentia-me bem. 
Recordo, ainda, o Pe. José Alves, homem bom, camarada, sempre disponível para nos ouvir nas nossas alegrias e tristezas. E a sua camaradagem era tal que, num acampamento que fiz com mais quatro colegas, em tempo de férias, no rio Ocreza, ele lá foi ter connosco, deu um mergulho nas águas e comeu aquilo que devia ter sido feijão cozido, mas que acabou por ser nacos de uma massa ressequida de feijão! 
Os restantes professores não me deixaram saudades, não me senti recompensado pelo trabalho que tinha e daquilo que julgava saber.
Dos colegas, alguns ficaram a fazer parte do meu círculo de amizades, que ainda hoje perduram e que, quase quotidianamente, nos contactamos. Destacaria três colegas que se tornaram amigos e que se encontram já do Outro Lado da Vida: o Zé Mendonça, para além dos acampamentos em que participávamos, depressa me integrou naqueles bailaricos que fazia em sua casa. O Zé Cabaço, com quem estudava frequentemente, ele na minha casa ou eu na dele. Recordo um incidente, cujo conteúdo já não vislumbro, passado imediatamente antes do início de uma aula, em que um professor e/ou director de ciclo, vai à sala e pergunta a toda a turma, em tom inquisidor, quem tinha feito algo de reprovável. Após segundos de um silêncio sepulcral, eis que o Zé Cabaço se levanta, dizendo: “fui eu!”.  Mas veio a apurar-se, logo no final da aula, que ele não tinha sido! 
Finalmente, evoco, pela ligação ao Alentejo que trazíamos e de onde ele era natural, o Semedo Toco. Dele, em jeito de homenagem a todos os colegas que pertenciam à minha turma já falecidos (do meu conhecimento, cerca de metade!), transcrevo um pequeno excerto de um poema que deixou no seu livro “Sinfonia das flores em clave azul”: “Andei em busca da vida/Mas eu nunca te esqueci/Oh minha Escola querida! /Nas tuas salas cresci/ Nas tuas aulas amei/Nas tuas salas sorri/Nas tuas salas chorei/Nas tuas salas vivi!”
Mário Silva Freire

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